O Avental de Mamãe
Mamãe, com seus 85 anos, enfrentava a solidão com a força silenciosa de quem já viveu muito. Não deixava que o vazio das paredes da casa a consumisse. Preferia o barulho das louças no pequeno restaurante onde trabalhava lavando pratos. Não era o dinheiro que a movia, mas a sensação de pertencer, de se sentir útil. O avental azul-claro que usava todos os dias era quase um emblema, uma extensão de si mesma.
Naquela manhã, foi minha irmã quem me ligou. A voz trêmula trouxe uma inquietação que o coração já sabia interpretar. “Mamãe não se levantou hoje…” Corri para casa, o peito apertado, o medo tentando tomar forma em pensamentos que eu afastava.
Quando entrei no quarto, ela estava lá, deitada como quem repousa após um dia exaustivo. A serenidade no rosto quase me fez esquecer que algo estava errado. Mamãe abraçava o avental azul, como se ele fosse seu último abrigo, e ao lado dela, dobrado com cuidado, estava o véu branco que usava para orar, tão simples quanto sua fé inabalável.
Senti um nó na garganta. Parecia que o avental tinha algo a dizer, uma despedida silenciosa. Toquei-o com cuidado, e por um instante, foi como se ouvisse sua voz suave: “Filho, leve. Mamãe não vai mais precisar.” Aquelas palavras, mesmo imaginadas, me trouxeram uma paz que eu não esperava sentir.
Fiquei ali, imóvel, olhando para o avental, que agora parecia mais que um pedaço de tecido. Ele carregava anos de história, de esforço e de amor. As manchas desbotadas não eram imperfeições, mas testemunhas silenciosas de uma vida inteira dedicada ao trabalho, à família, à oração.
O véu ao lado dela, imaculado, era como um símbolo de sua fé, sempre presente, sempre luminosa. Não era um adorno; era um pedaço de sua alma, o reflexo de suas orações diárias, sempre murmuradas por nós, pelos dias que viriam e pelos que já haviam passado.
Hoje, guardo o avental e o véu. Eles são mais do que objetos; são relicários de quem mamãe foi. Quando a saudade me aperta, pego o avental e quase posso ouvir de novo sua voz, suave e doce, me lembrando que o amor dela nunca partirá. Mamãe se foi, mas sua essência ficou bordada no azul do avental, nas preces do véu e no coração de quem teve o privilégio de amá-la.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 10/12/2024
Alterado em 10/12/2024