O Bolo Era Pra Ele
A casa estava em silêncio naquela tarde abafada. Ângela, de avental sujo e mãos trêmulas, terminava de decorar o bolo. Era uma obra-prima: cobertura de chocolate brilhante, confeitos cuidadosamente espalhados, fatias já cortadas para facilitar. Tudo estava meticulosamente preparado. Ninguém suspeitaria que, sob aquela aparência doce, havia um segredo mortal.
– É hoje – pensou.
Anos de sofrimento calados, de humilhações que acumulavam marcas invisíveis, haviam culminado naquele momento. Era para ele. Para o homem que um dia prometeu amor, mas trouxe dor. Ela o imaginava chegando, tirando os sapatos na porta, como sempre fazia, e indo direto à geladeira.
– Vai saborear cada pedaço – murmurou.
Deixou o bolo na prateleira do meio, bem à vista. Limpou as mãos, respirou fundo e se sentou na sala. Tudo estava meticulosamente planejado. Arthur, o filho, só chegaria tarde. Ou pelo menos deveria.
Mas o som da porta se abrindo no fim da tarde quebrou seus pensamentos. Arthur havia chegado mais cedo do campo.
– Ei, mãe! Já tô em casa! – gritou, a voz cheia de energia.
Ângela sentiu um frio na espinha. Correu até o corredor, mas ele já estava na cozinha, o corpo atlético reluzindo de suor, a camisa jogada no ombro.
– Arthur, tome um banho primeiro, depois conversamos – disse ela, tentando parecer casual.
– Ah, mãe, tô morrendo de fome! E o que é isso aqui na geladeira?
Antes que ela pudesse impedi-lo, Arthur segurou uma das fatias do bolo.
– Mamãe é maravilhosa! – disse ele, com um sorriso largo, pegando um garfo.
– Arthur, não! Esse bolo é pra... – Ela parou. Não conseguiu terminar a frase.
O primeiro pedaço já estava na boca dele. Ela tentou disfarçar o desespero.
– Deixa isso pra depois, filho. Vou preparar outra coisa pra você comer.
Mas Arthur apenas sorriu.
– Esse tá perfeito, mãe. Melhor que isso, só comendo mais umas fatias.
Ângela virou as costas. Não tinha coragem de assistir.
– Vou sair um pouco para pegar ar – disse apressada, saindo pela porta da frente.
Na calçada, o vento quente da tarde não a acalmava. Ela fechou os olhos, respirando fundo, tentando abafar o tumulto em sua mente.
O toque insistente do celular quebrou o silêncio. Era Antônio, o marido.
– Ângela – disse ele, a voz grave do outro lado da linha. – Tô no hospital. Encontrei o Arthur caído na cozinha.
O telefone escorregou de suas mãos.
Na delegacia, horas depois, Ângela confessou, entre lágrimas e soluços.
– O bolo era pra ele... Era pro meu marido.
Do outro lado do vidro, uma enfermeira ajustava o lençol sobre o corpo de Arthur. A dor de Ângela agora era irreparável. O que era para ser uma vingança tornou-se a sentença que ela carregaria para sempre.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 18/12/2024
Alterado em 03/01/2025