Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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O Silêncio de Ana Júlia
Todas as manhãs, ao sair de casa, Elder fazia o mesmo caminho. Não porque fosse o mais rápido ou o mais bonito, mas porque sabia que a veria. Ana Júlia, sempre de avental, estendia roupas, varria o quintal ou lavava a calçada, concentrada em seus afazeres, sem perceber o olhar de Elder que, embora de outra classe social, se perdia na simplicidade e na graça daquela jovem.
Ele não sabia ao certo quando começou a sentir mais do que admiração. Talvez fosse o jeito com que ela prendia os cabelos ou o modo como o sol iluminava seu rosto enquanto trabalhava. A cada dia, Elder ansiava por aquele momento breve, quase furtivo, em que podia observá-la à distância. Ela, alheia ao mundo, e ele, aprisionado por um sentimento que crescia silencioso.
Mas, numa manhã como outra qualquer, ela não estava lá. Elder passou devagar, quase parando, mas o quintal estava vazio. Achou estranho, mas seguiu seu caminho. No dia seguinte, o vazio permaneceu. E no outro também. Algo estava errado.
Ao chegar em casa naquela tarde, Elder trazia nos olhos uma tristeza que nem ele podia esconder. Durante o jantar, ouviu apenas os sons abafados da conversa à mesa, até que uma frase roubou sua atenção. A criada falava com sua mãe, em tom preocupado:
— A Ana Júlia, filha de dona Glória, está internada. Dizem que foi picada por um escorpião enquanto arrumava umas caixas no depósito.
Sem dizer uma palavra, Elder levantou-se e saiu de casa. O coração batia descompassado, e ele não sabia exatamente o que faria, apenas sabia que precisava vê-la. Ao chegar ao hospital, insistiu até conseguir a permissão para entrar. O caminho até o quarto parecia interminável, e a cada passo seu peito apertava mais.
Quando finalmente entrou, a encontrou deitada, pálida, os olhos fechados, mas ainda com aquela serenidade que ele tanto admirava. Ele se aproximou devagar, com medo de perturbá-la, e segurou sua mão fria entre as suas.
Foi então que ela abriu os olhos, lentamente. Por um instante, Elder viu o brilho de reconhecimento naqueles olhos que nunca haviam cruzado os seus de verdade. Eles se encararam, e naquele breve momento, nenhuma palavra era necessária. Tudo estava ali, no silêncio, na troca de olhares, na entrega que a vida não lhes deu tempo de viver.
Elder apertou levemente sua mão, como se quisesse transmitir toda a força e todo o amor que nunca teve coragem de confessar. Mas Ana Júlia, com um sorriso quase imperceptível, deixou escapar um último suspiro. Seus olhos fecharam-se, e sua mão escorregou lentamente das dele.
Ele permaneceu ali, paralisado, sentindo o vazio tomar conta do quarto. O amor que ele nunca pôde declarar ficou preso em seu peito, mas ele sabia que, de algum modo, Ana Júlia o havia entendido. Naquele instante, em silêncio, ela levou consigo um pedaço dele, e deixou para trás uma saudade eterna e um amor que jamais morreria.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 18/12/2024
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