O rosa era meu
Kyara sempre imaginou seu casamento como nos contos de fadas: um vestido branco impecável, véu longo, e o olhar apaixonado do homem que ela escolhera para dividir a vida. Téo parecia ser esse homem. Educado, carismático, e com um sorriso que derretia até os corações mais frios. Porém, havia algo nele que ela não conseguia compreender, um detalhe que sempre parecia fora do lugar, como uma peça de quebra-cabeça que não se encaixava.
Desde o início, Téo insistira no vestido rosa. Na primeira visita à loja de noivas, Kyara achou que era uma brincadeira. Ele apontou para um vestido rosa claro, com delicados detalhes em renda, e exclamou:
— É perfeito, Kyara! Esse é o vestido!
Ela riu, mas ao notar a seriedade no rosto dele, desconversou:
— Téo, eu prefiro o branco. Além disso, não sei se caberia em mim, sou um pouco mais do que a medida.
Ele sorriu sem graça e, como sempre, olhou para Ravi, seu inseparável amigo. Ravi deu de ombros, fingindo examinar outro vestido, mas a troca de olhares entre os dois incomodava Kyara.
As visitas às lojas se repetiram, e a insistência de Téo pelo vestido rosa começou a soar estranha. "É apenas um detalhe", ela pensava, tentando afastar a sensação de que havia algo errado.
Ravi parecia estar em todos os momentos da vida do casal. Ele era discreto, mas onipresente. Quando Kyara e Téo saíam para passear, Ravi aparecia de repente, pronto para acompanhá-los. Quando Kyara tentava criar momentos íntimos, Ravi surgia com desculpas triviais, um buquê de flores ou barras de chocolate, como se fosse um personagem de um romance que se recusava a sair de cena.
— Por que ele está sempre aqui, Téo? — ela perguntou certa noite, irritada.
— Ele é meu melhor amigo, Kyara. Está só querendo ajudar, relaxa. — Téo desviou o olhar e mexeu no celular, como sempre fazia quando o assunto o desconfortava.
Kyara tentou ignorar, mas a presença constante de Ravi começou a pesar. Não era apenas ciúmes; havia algo na cumplicidade entre Téo e Ravi que parecia excluí-la de algo importante.
O grande dia chegou. A igreja estava decorada com flores brancas e lilases, o perfume suave pairando no ar. Kyara estava no salão de beleza, terminando de se arrumar, quando sentiu um nó de ansiedade apertar seu peito. Algo parecia fora do lugar, mas ela atribuiu isso ao nervosismo típico de noivas.
Enquanto caminhava pelo corredor, de braços dados com seu pai, notou que a expressão dos convidados era de espanto. Murmúrios começaram a se espalhar. A música parou abruptamente, e alguém se aproximou para pedir que ela aguardasse um momento na lateral. Confusa, Kyara obedeceu.
No altar, Ravi estava vestido de noivo, um terno clássico, mas a postura nervosa. Antes que pudesse entender, ouviu o som de passos no corredor principal da igreja. Olhou para trás e viu Téo entrando... de vestido rosa.
O mundo pareceu parar. O vestido rosa, aquele mesmo que ele tanto insistira para que ela usasse, agora moldava o corpo de Téo com uma perfeição que ela não podia negar. Ele passou por Kyara, os olhos brilhando, e disse, num tom que era ao mesmo tempo firme e doce:
— O rosa era meu.
Téo caminhou pelo corredor até encontrar Ravi no altar. Os dois trocaram um olhar cheio de significados e, em um gesto que parecia ensaiado, deram as mãos. A igreja estava em completo silêncio, exceto pelo som dos soluços de Kyara, que assistia à cena com lágrimas escorrendo pelo rosto.
Ela percebeu, naquele instante, que havia vivido um amor incompleto. Téo não era dela, e talvez nunca tivesse sido. Ele estava ali, finalmente livre, finalmente ele mesmo, diante de Ravi, o homem que sempre estivera ao seu lado de forma tão leal e discreta.
Kyara saiu da igreja em silêncio, com o vestido branco arrastando pelo chão. O sonho que ela carregara por tanto tempo havia desmoronado, mas, de algum modo, sentiu que era melhor assim. Téo encontrou sua felicidade, ainda que à custa da dela.
Do lado de fora, sentou-se no banco da praça e olhou para o céu. As lágrimas ainda corriam, mas, ao fundo, a música da igreja recomeçou. Era a celebração de um amor verdadeiro, ainda que não fosse o amor que ela havia imaginado.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 18/12/2024