Grades da Saudade
No silêncio frio da cela, a única companhia são as lembranças. João encara as paredes descascadas, como se nelas pudesse projetar os rostos de seus filhos. A prisão tem um jeito peculiar de roubar mais do que a liberdade: ela rouba o tempo. E para João, o tempo longe de Pedro e Ana é a verdadeira pena.
As noites são as piores. Enquanto o mundo lá fora dorme, ele luta contra o peso de uma saudade que aperta o peito. Ele pensa no sorriso de Pedro, que tinha acabado de aprender a andar de bicicleta quando ele foi preso, e no riso de Ana, que gostava de dançar na sala, girando como se estivesse num grande palco. Quantos aniversários ele perdeu? Quantos primeiros dias de escola?
As cartas que chegam carregam um misto de conforto e dor. Ana desenha corações e escreve "Papai, te amo", ainda com letras tortas de criança. Pedro, agora com 12 anos, escreve sobre a escola, o futebol, mas nunca menciona a ausência do pai. É como se o garoto já tivesse aprendido a construir uma barreira contra a falta, enquanto João vive com a culpa martelando a cabeça.
Dentro da prisão, João tenta manter a cabeça erguida. Trabalha na oficina e participa de um grupo de leitura, onde aprendeu que palavras podem ser janelas para um mundo além das grades. Mas nada substitui o toque. Ele se lembra de segurar as mãos pequenas de Ana para atravessar a rua, de carregar Pedro nos ombros enquanto caminhavam para o parque.
Quando as visitas acontecem, a sala é barulhenta, mas os olhos de João só enxergam seus filhos. Pedro está mais alto, quase alcançando o ombro do pai. Ana, com 8 anos, ainda sorri como antes, mas o abraço dela é mais tímido agora. João sente medo de que um dia ela não corra mais para seus braços.
Na despedida, o vazio é maior. João observa os filhos se afastarem, voltando para um mundo onde ele é apenas uma lembrança. Ele promete a si mesmo que, quando sair, será o pai que eles merecem. Mas, no fundo, teme que o tempo tenha levado mais do que ele pode devolver.
A cela se fecha novamente, e a saudade volta a ocupar o espaço vazio. João sabe que ainda tem uma longa jornada pela frente. Mas enquanto tiver as lembranças e as cartas rabiscadas de amor, ele continuará acreditando que, um dia, as grades serão apenas uma memória, e seus braços estarão livres para abraçar o futuro com seus filhos.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 03/01/2025