O Feitiço na Sacristia
A pequena igreja de pedra no alto da colina era conhecida pela sua serenidade. Durante o dia, os raios de sol iluminavam os vitrais coloridos, lançando tons vivos no chão de madeira. Mas à noite, a escuridão transformava o lugar em algo que parecia vivo, sussurrando segredos antigos.
Naquela manhã de domingo, os fiéis se reuniram como de costume. O padre Álvaro, um homem de fala calma e olhar sereno, havia começado a missa quando algo incomum aconteceu. Dona Francisca, a idosa mais devota da paróquia, desmaiou bem diante do altar.
"Está tudo bem, Dona Francisca?" perguntou o padre, descendo do púlpito, visivelmente preocupado.
Ela foi socorrida rapidamente, mas antes de ser levada para fora, murmurou algo que deixou todos desconfortáveis: "Há algo errado na sacristia."
A sacristia era um local sagrado, usado pelo padre para preparar os rituais. Sempre organizada, exalava o cheiro de incenso e madeira antiga. Porém, naquele dia, parecia carregada de uma energia diferente, densa.
Ao final da missa, quando todos os fiéis já haviam ido embora, padre Álvaro decidiu investigar. Trancou a porta principal da igreja e caminhou até a sacristia. Cada passo ecoava pelas paredes como um tambor lento.
Ao abrir a porta, encontrou o espaço revirado. Os armários estavam abertos, os paramentos espalhados pelo chão, e no centro da sala, um pequeno círculo desenhado com carvão. Dentro dele, havia velas derretidas e ossos pequenos, como os de pássaros.
"O que é isso?", murmurou Álvaro, sentindo um calafrio percorrer sua espinha.
Ele se ajoelhou, examinando o círculo. Ao tocá-lo, sentiu um leve formigamento nos dedos, como se uma energia invisível o repelisse. Havia um papel dobrado no meio do desenho. Ao abri-lo, leu uma única frase escrita em latim: "Lux tua obscura fiet" — "Sua luz se tornará escuridão."
Um som vindo do fundo da igreja fez o padre se levantar apressado. Era um ruído baixo, como passos abafados, mas quando chegou à nave principal, não havia ninguém.
Naquela noite, padre Álvaro não conseguiu dormir. Fechou todas as portas e janelas da igreja e permaneceu em oração até o amanhecer, mas o desconforto não o abandonava.
Na manhã seguinte, foi ao arquivo da paróquia em busca de registros. Descobriu que, há mais de cinquenta anos, um padre anterior, conhecido como Bento, fora acusado de praticar rituais proibidos dentro da sacristia. Apesar das suspeitas, nunca houvera provas concretas, e o caso foi silenciado pela diocese.
As noites seguintes trouxeram mais estranhezas. Objetos mudavam de lugar, velas se acendiam sozinhas, e sussurros ecoavam pela sacristia quando não havia ninguém por perto. Padre Álvaro começou a temer que a igreja estivesse sob influência de algo maligno.
Certo dia, durante uma das suas orações, uma sombra atravessou o altar. Ele fechou os olhos, apertando o terço em suas mãos, mas o som de uma risada fraca o fez levantar. Não havia mais ninguém ali, apenas ele e o silêncio.
Determinou-se a purificar o espaço. Com água benta, sal e orações, passou horas dentro da sacristia, traçando cruzes nas paredes e pedindo proteção divina. No final do ritual, o círculo de carvão desapareceu como se nunca tivesse existido.
Os estranhos acontecimentos cessaram, mas padre Álvaro sabia que o mistério nunca fora completamente resolvido. A sacristia continuava a exalar um ar de segredo, e ele, agora mais do que nunca, sentia que carregava um peso que não era apenas seu.
A pequena igreja de pedra, com sua aura de serenidade, tornou-se um lugar de vigilância constante, e o padre, seu guardião eterno, sabia que as sombras nunca estavam realmente longe.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 03/01/2025