O Silêncio das Alianças
Eles estavam sentados à mesa, um de frente para o outro. O jantar era simples, como sempre: arroz, feijão e uma carne quase sem tempero. Mas o que preenchia a sala não era o aroma da comida. Era o silêncio. Não aquele silêncio confortável que une dois corações, mas o silêncio pesado, denso, cheio de palavras que nunca foram ditas.
O casamento deles havia começado como tantos outros: promessas eternas trocadas sob olhares apaixonados, planos compartilhados entre risos e a certeza de que o "para sempre" seria uma promessa inquebrável. Houve dias de celebração, de danças na sala, de noites em que o calor do amor parecia indestrutível. Mas os anos, como ventos insistentes e invisíveis, desgastaram as bases daquela paixão.
Não foram as grandes tempestades que os derrubaram. Não houve traições escandalosas, brigas explosivas ou tragédias familiares. Foi o acúmulo das pequenas coisas – ou da falta delas. Foram os dias comuns, os olhares cada vez mais raros, as conversas que se perderam em murmúrios desinteressados.
Ela se lembrava das manhãs em que ele fazia café e deixava um bilhete carinhoso ao lado da xícara: "Bom dia, meu amor." Eram palavras simples, mas cheias de significado. Agora, o café era só mais uma tarefa matinal, e a troca de palavras, se acontecia, era monossilábica. Ele, por sua vez, pensava nos finais de semana em que passeavam de mãos dadas, imaginando o futuro – um futuro cheio de sonhos compartilhados. Mas o futuro, como uma miragem, parecia ter se tornado inalcançável.
Os fracassos em um casamento não chegam de repente. Eles se acumulam devagar, em gestos esquecidos, em mágoas nunca resolvidas, em desculpas adiadas. Eles estão nos dias em que a cama parece grande demais, mesmo para dois, ou nas noites em que o cansaço substitui qualquer tentativa de carinho.
Naquela noite, durante o jantar, ela olhou para ele com um misto de tristeza e resignação. Ele percebeu, mas desviou os olhos. Não era a primeira vez que aquele olhar cruzava a mesa, e ele sabia o que significava: não era raiva ou desprezo, mas uma profunda sensação de fracasso, de ter chegado a um ponto onde nada mais parecia capaz de mudar.
Após a refeição, ele se levantou para recolher os pratos. Ela, por hábito, secou as mãos no avental, como se secasse também os últimos resquícios de esperança. Havia um desgaste mútuo, mas também uma aceitação silenciosa. Ainda não era o fim oficial – eles continuariam juntos por mais alguns meses, talvez anos, em nome da rotina, dos filhos, ou do medo de encarar o vazio que a separação traria.
Enquanto ele lavava os pratos e ela arrumava a mesa, pensaram no que haviam perdido. Não eram apenas os gestos ou as palavras – era a conexão, o laço invisível que os unia e que, aos poucos, se desfez. Naquele momento, perceberam que o maior fracasso em um casamento não é o fim em si, mas a permanência em algo que já não pulsa, por medo de admitir que o amor, como tantas outras coisas, às vezes morre.
E naquela casa, onde o silêncio se tornara habitual, ambos entenderam que havia escolhas a serem feitas. Escolhas difíceis, dolorosas, mas necessárias. Porque o amor, mesmo quando finda, merece respeito. E, talvez, o último gesto de amor entre eles fosse aceitar que, às vezes, soltar é o maior ato de coragem.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 03/01/2025