Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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O Padre e o Caipira
Na pequena cidade de São Bentinho do Sertão, a vida corria no ritmo do sol e da lua. Ali, tudo se resolvia com uma conversa na praça ou um cafezinho na venda do seu Zé. Mas, naquele domingo, a missa das oito prometia algo diferente: o padre Januário estava decidido a levar a palavra de Deus para o coração dos mais teimosos – e, entre eles, ninguém superava Zeca Banguela.

Zeca era um caipira das antigas. Chapéu de palha, calça de algodão arremendada e um sorriso que revelava o motivo do apelido. Gostava de prosear e, principalmente, de testar a paciência do padre. Enquanto o povo reverenciava o pároco, Zeca dizia:
— Padim, esse negócio de missa é coisa pra quem tem tempo sobrando. Eu? Só acredito no que vejo.

Cansado de ouvir sempre a mesma ladainha, o padre Januário resolveu que naquele dia daria uma lição no caipira. Quando a missa terminou e todos se dirigiam ao café comunitário, o padre chamou Zeca para uma conversa particular.
— Ô, Zeca, já que você só acredita no que vê, vou te dar um desafio.
Zeca coçou a barba rala, desconfiado.
— Que desafio é esse, padim?
— Se eu provar que Deus está em tudo, até mesmo nas suas plantações, você vem à missa todo domingo.

Zeca riu, ajeitou o chapéu e respondeu:
— Tá bom, padim. Quero ver esse Deus nas minhas roças.

Naquela tarde, o padre pegou sua bicicleta, passou na venda para comprar um saco de farinha e foi até a casa de Zeca. Lá, encontrou o caipira descansando na sombra de um pé de manga.
— Chegou cedo, padim! Quer um gole de café?
— Não, Zeca. Quero te mostrar Deus.

O padre caminhou até a horta de Zeca e apontou para uma cenoura recém-colhida.
— Olha só, Zeca. Quem você acha que fez isso crescer?
— Ué, padim, fui eu mesmo. Plantei, reguei e tirei as pragas.

O padre sorriu.
— E quem mandou a chuva? Quem fez o sol brilhar na medida certa? Quem criou a terra fértil?
Zeca ficou pensativo, mas não se deu por vencido.
— Tá bom, padim. E o bicho que comeu metade da minha couve, foi Deus também?

O padre riu.
— Ah, Zeca, até as coisas que nos desafiam fazem parte do plano divino. A lagarta comeu, mas virou borboleta. E isso é obra de quem?

Zeca coçou a cabeça, sem resposta. Já estava começando a achar que o padre tinha razão, mas não queria admitir. Então, tentou uma última cartada.
— E aquele frango que roubaram do meu galinheiro, padim? Isso é Deus também?

O padre, com a paciência de quem já enfrentou muita confissão complicada, respondeu:
— Deus não rouba, Zeca, mas quem sabe ele não deixou faltar para você aprender a dividir?

Zeca gargalhou, bateu no ombro do padre e disse:
— Tá certo, padim. Você ganhou essa. Mas me diz, tem café lá na igreja todo domingo?
— Tem sim, Zeca. E bolo também.
— Então tá combinado, padim. Domingo eu tô lá. Mas se faltar o bolo, a conversa muda!

E assim, naquele cantinho do sertão, o padre Januário ganhou mais um fiel. Zeca nunca perdeu uma missa depois disso, mas sempre fazia questão de conferir o bolo antes de entrar na igreja. Afinal, fé é importante, mas um pedaço de bolo de fubá é coisa divina também.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 03/01/2025
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