Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
Capa Textos E-books Fotos Perfil Contato
Textos
Santa Padroeira da Paciência
Na casa grande de Dona Gertrudes, tudo tinha seu lugar: os móveis, as plantas do jardim, os santos no altar e, claro, a criada mais faladeira do vilarejo, Mariana. Gertrudes era uma mulher de fé inabalável. Rezava o terço todos os dias, lia as escrituras ao som de músicas sacras e fazia questão de espalhar sua devoção pela vizinhança. Já Mariana, com o avental sempre torto e a língua mais afiada que faca de cortar carne, era uma mistura de ajudante doméstica e rádio local.

Numa manhã de quarta-feira, enquanto Dona Gertrudes cuidava do altar, Mariana apareceu na sala com um espanador e um assunto urgente.
— Dona Gertrudes, a senhora não sabe o que eu ouvi lá na venda!
— Mariana, por favor! Estou em oração. Guarde suas fofocas para mais tarde.
— Mas dona, é coisa séria! Dizem que o seu Zé Carpinteiro...

Gertrudes ergueu a mão, interrompendo-a.
— Mariana, vá passar o pano no chão. A língua não tira pó de móvel.

Mariana bufou, mas obedeceu. Contudo, bastou Gertrudes se sentar para rezar o rosário e Mariana reapareceu na cozinha.
— Dona Gertrudes, posso só dizer uma coisa rápida? É sobre a missa de domingo...
— Mariana, o que é agora?
— Dizem que a dona Cleonice foi de vestido vermelho! No altar! Um escândalo!

Dona Gertrudes respirou fundo, segurando a paciência com a força de todas as orações que já fizera na vida.
— Mariana, fofoqueira não entra no céu. E se entrar, vai ser na porta dos fundos, sem direito a milagre.

Mariana riu, mas não se deu por vencida.
— Ah, dona, a senhora é muito séria. Deus gosta de quem tem humor, sabia? Aposto que até Jesus dava umas risadinhas lá com os apóstolos.

No dia seguinte, o padre apareceu para a bênção mensal da casa. Mariana, é claro, não perdeu a chance de desabafar.
— Padre, me diga uma coisa: é pecado comentar o que a gente vê? Porque eu só conto a verdade!

O padre Januário, já acostumado com as histórias de Mariana, respondeu:
— Minha filha, se sua língua fosse tão rápida para rezar quanto é para falar da vida alheia, o céu já teria reservado um cantinho só pra você.

Dona Gertrudes, que estava ouvindo tudo, finalmente falou:
— Padre, peço ao Senhor que reze para Santa Padroeira da Paciência. Se não for por mim, que seja por ela.

O padre riu, mas Mariana retrucou:
— Ah, dona, mas a vida sem uma boa conversa é muito sem graça!

Gertrudes olhou para ela com um sorriso cansado.
— Mariana, conversa é uma coisa. Fofoca é outra. E quando você entender a diferença, quem sabe eu não mando rezar uma missa em sua honra?

Mariana gargalhou, pegou o espanador e saiu cantarolando. E assim, naquela casa, entre orações fervorosas e histórias exageradas, viviam duas mulheres que, à sua maneira, faziam do dia a dia uma mistura de fé, risadas e paciência divina.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 03/01/2025
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
Comentários