Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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O Policial e o Bêbado Apaixonado
Na pacata cidade de São Raimundo das Palmeiras, onde nada mais emocionante acontecia além do bingo da praça, o sargento Anacleto era conhecido por sua seriedade. Alto, com bigode impecável e uma farda que parecia engomada até para dormir, ele era o terror dos bagunceiros e a segurança das senhorinhas que vendiam bolo de milho na feira.

Mas naquela sexta-feira, Anacleto encontrou o desafio mais inusitado de sua carreira: Chico Bebum.

Chico era figura carimbada no boteco do seu Tonho. Meio poeta, meio filósofo e totalmente bêbado, ele tinha um coração apaixonado por Madalena, a balconista da farmácia. O problema é que Madalena sequer sabia que Chico existia.

Naquela noite, depois de algumas rodadas de pinga e um conselho mal dado pelos amigos, Chico decidiu que era hora de declarar seu amor. Com uma flor murcha na mão e uma serenata desafinada na cabeça, ele marchou até a farmácia, que já estava fechada, e começou o espetáculo.

— Ôôô, Madalenaaa! Abre essa porta, mulher! O amor da sua vida chegou!

Enquanto Chico cantava (ou tentava), a vizinhança começou a se agitar. Janelas se abriram, cachorros latiam, e alguém, claro, chamou a polícia.

Quando o sargento Anacleto chegou ao local, encontrou Chico abraçado à porta da farmácia, como se fosse sua última esperança na vida.
— O que tá acontecendo aqui, rapaz? — perguntou Anacleto, com sua voz grave.
— Ô seu guarda, tô aqui cumprindo meu destino. Madalena é meu grande amor, e eu só saio daqui com ela ou preso!

Anacleto, que não era conhecido por sua paciência, cruzou os braços.
— Então já pode ir preparando suas coisas, porque vai ser preso mesmo. Isso aqui é bagunça!

Mas Chico, com a coragem que só a cachaça dá, apontou a flor murcha para Anacleto e declamou:
— Seu guarda, o senhor já amou alguém? Já sentiu o coração bater mais forte por uma mulher? Porque se não sentiu, tá perdendo a melhor coisa da vida!

Aquelas palavras, surpreendentemente poéticas, pegaram Anacleto de surpresa. Ele hesitou por um momento, mas logo retomou a postura.
— Chico, eu amo a ordem e a paz nessa cidade. E você tá atrapalhando as duas! Agora, vambora.

Chico, com olhos marejados (talvez de amor, talvez de pinga), suspirou:
— Tá bom, seu guarda. Me leva. Mas me promete uma coisa?
— O quê? — perguntou Anacleto, já impaciente.
— Entrega essa flor pra Madalena. Diz que é do Chico, o homem que morreu de amor por ela... ou quase.

Anacleto não conseguiu conter uma risada. Pegou a flor, enfiou Chico na viatura e dirigiu até a delegacia, onde o deixou dormir o efeito do álcool.

No dia seguinte, quando Chico acordou com uma ressaca monumental, encontrou um bilhete ao lado de sua cela. Era de Anacleto:
"Chico, entreguei sua flor. Madalena riu, mas disse que você precisa de um banho e menos pinga. Boa sorte, Romeu."

Dizem que Chico nunca conquistou Madalena, mas virou lenda na cidade. Já o sargento Anacleto, apesar de manter sua fama de durão, foi visto algumas vezes comprando flores no mercado. Talvez, só talvez, Chico tenha plantado uma semente no coração do policial. Afinal, o amor, mesmo bêbado, é contagioso.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 03/01/2025
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