Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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A Freira e a Cerveja Escondida
Na pequena cidade de São José do Sol, onde as montanhas se encontravam com o céu azul e as igrejas pareciam mais altas do que as casas, a irmã Maria Clara era conhecida por sua devoção exemplar. Vestida com seu hábito impecável, sua expressão serena e seus olhos sempre atentos às necessidades dos outros, ela era uma das freiras mais respeitadas do convento. Contudo, havia um segredo que poucos sabiam: a irmã Maria Clara tinha uma paixão escondida. E não era por livros de oração, nem por flores no jardim. Era por uma garrafa de cerveja gelada.

Era uma tradição na cidade toda sexta-feira à noite, após o último terço, o pessoal do vilarejo se reunia na praça para tomar uma cervejinha e jogar conversa fora. O convento, que ficava a uma distância segura da praça, era onde a irmã Maria Clara se sentia mais próxima da paz. Mas... há muito tempo, ela havia descoberto que o melhor jeito de relaxar depois de um dia de trabalho duro no convento era saborear uma boa cerveja.

Claro que ela nunca podia admitir isso publicamente. Afinal, como explicaria isso para as outras irmãs? E para a Madre Superiora, então? O que ela faria se soubesse que a freira mais séria do convento trocava suas orações por um gole de uma "boa gelada"?

Naquela sexta-feira, a tentação bateu mais forte. Durante a missa, a irmã Maria Clara quase olhou para a sua amiga, irmã Helena, com os olhos de quem sabe o que é a verdadeira salvação: uma cerveja bem gelada depois de um longo dia de serviço. Quando a missa terminou e todas as irmãs começaram a se preparar para a janta, ela deu um jeito de se afastar discretamente.

Foi até o quarto e, embaixo da cama, na caixa de madeira onde guardava suas roupas de viagem, estava a preciosa garrafa. Ela a retirou com muito cuidado, como se fosse um tesouro. "Só hoje", ela pensou. "Só hoje, para me acalmar." Descorreu um gole. O sabor era delicioso, um alívio para a alma, como uma oração que traz paz no final de um dia atribulado.

Enquanto Maria Clara saboreava o momento, alguém bateu na porta.

— Irmã Maria Clara? — era a voz da Madre Superiora.

Ela se engasgou, quase derrubando a garrafa. "São tantas tentações!", pensou, mas logo disfarçou, guardando a cerveja atrás das cortinas.

— Sim, Madre! Entra, entra! — disse, tentando manter a calma, enquanto escondia rapidamente a garrafa.

A Madre Superiora entrou no quarto, mas logo percebeu algo estranho. O cheiro, é claro, não passava despercebido. Ela era uma mulher experiente, sabia reconhecer o aroma de uma boa cerveja quando sentia. O olhar da Madre Superiora se fixou na irmã Maria Clara, que estava agora com as mãos cruzadas atrás das costas, com um sorriso forçado. A Madre fez uma pausa.

— Irmã Maria Clara... o que é isso atrás das cortinas? — perguntou, com uma voz suave, mas carregada de intenção.

A irmã Maria Clara, tentando se manter firme, respondeu com um sorriso nervoso.
— Ah, Madre, isso... é só um pouco de vento que trouxe o cheiro de cerveja da praça. Está bem forte hoje, não?

A Madre Superiora cruzou os braços, ainda com aquele olhar atento.

— Eu diria que o vento é muito seletivo, irmã. Só trouxe o cheiro até aqui.

Maria Clara, sem saber o que fazer, olhou para a porta e então, com um suspiro, se entregou.
— Tá bom, Madre! Não vou mentir mais. Eu... eu estava apenas... tentando entender melhor os mistérios da vida. E, você sabe, a cerveja me ajuda a meditar.

A Madre Superiora ficou em silêncio por um momento, até que, para surpresa de Maria Clara, soltou uma gargalhada.

— Irmã Maria Clara, eu também tenho os meus segredos. Você acha que uma vida de reclusão e oração não precisa de um pouco de refresco de vez em quando?

Maria Clara ficou paralisada. A Madre Superiora deu uma piscadela e foi até o armário.
— Eu mesma tenho uma garrafinha escondida lá no meu escritório. Mas nada de contar para as outras irmãs, hein? Senão o convento vira uma cervejaria!

Maria Clara riu, aliviada.
— Prometo que vou guardar segredo, Madre.

E assim, naquela noite, as duas irmãs desfrutaram de um momento inusitado de cumplicidade. Embora a irmã Maria Clara soubesse que ainda não poderia contar para as outras freiras sobre seu gosto por cerveja, pelo menos agora sabia que não estava sozinha em seus pecados secretos. Afinal, como disse a Madre Superiora, "A vida religiosa também precisa de um pouco de diversão. Só não exagere na dose, irmã, porque senão é o convento que vai precisar de um milagre."

E com isso, Maria Clara aprendeu que a verdadeira virtude estava em saber equilibrar os prazeres da vida — até mesmo com uma cerveja gelada, se necessário.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 03/01/2025
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