Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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O Padre e o Jogador de Baralho
Numa pequena cidade onde todos se conheciam, vivia o Padre Antônio, um homem de fé inabalável e de hábitos bem rigorosos. Sua rotina era sempre a mesma: rezava, fazia a missa, visitava os doentes e, claro, conversava com todos na praça, até com quem ele achava mais suspeito.

Na mesma cidade, morava o Zé, um famoso jogador de baralho. Zé era o tipo de sujeito que nunca passava despercebido. Se havia uma partida de baralho, lá estava ele, sempre com uma risada fácil e uma mão cheia de truques. Sua habilidade era tamanha que, se tivesse sido um pouco mais ambicioso, teria sido campeão mundial de truco. Mas ele estava feliz ali mesmo, nas mesas da praça, rodeado de amigos e sempre com uma cerveja na mão.

Certo dia, o Padre Antônio caminhava pela praça quando avistou Zé, que estava em uma mesa, distribuindo cartas e rindo. O padre aproximou-se, olhou as cartas e não pôde deixar de comentar:

— Zé, você não tem vergonha de passar tanto tempo jogando baralho? O jogo é do diabo!

Zé olhou para o padre, sorriu e respondeu:

— Ah, padre, o diabo deve estar mesmo muito ocupado, porque até hoje ele não conseguiu ganhar uma partida de truco de mim!

O padre não gostou muito da resposta, mas manteve o sorriso cordial.

— Zé, eu estou falando de algo sério. Esses jogos podem levar as pessoas a pecar, perder o controle, gastar dinheiro... Isso não é bom.

Zé, sem perder o ritmo, fez uma cara pensativa e respondeu:

— Sabe, padre, eu tenho pensado sobre isso... Você nunca pensou em juntar as duas coisas? O senhor com suas orações e eu com o truco. A gente faz uma "mistração", algo como uma missão de conversão, só que com muito mais risada e diversão.

O padre não sabia o que responder, mas não queria dar o braço a torcer.

— Você está confundindo as coisas, Zé. O que você está fazendo não é nada espiritual!

Zé deu de ombros e, com a cara mais séria do mundo, falou:

— Padre, a vida é feita de momentos, e a gente tem que saber jogar as cartas que recebe, né? O senhor é mestre nas orações, mas eu sou mestre na estratégia! Imagine o que a gente poderia fazer juntos! Um “retiro espiritual” no bar, com música e baralho, o pessoal ganharia pontos no céu... E na mesa também, claro.

O padre balançou a cabeça, rindo por dentro, mas tentando manter a compostura.

— Zé, você está indo longe demais! O que eu faço é para a salvação das almas. O que você faz... bem, vamos dizer que é para a diversão das almas.

Zé fez um gesto teatral, como se estivesse possuído por uma ideia brilhante.

— Aí está, padre! Se o senhor estiver disposto, podemos até começar uma campanha de arrecadação! Cada partida de baralho ganha um centavo para a igreja. Vai ver que o senhor vai começar a ganhar mais do que apenas "bênçãos".

O padre começou a rir, não conseguindo mais segurar. Afinal, a ideia era tão absurda que até ele se divertiu com a proposta.

— Zé, você é um caso perdido! Eu só posso rezar por você.

Zé, com a maior cara de pau, levantou as mãos para o céu.

— Isso, padre, reze por mim e, quem sabe, um dia eu rezo por você... numa mesa de baralho, claro!

E assim, o Padre Antônio e Zé continuaram a se encontrar frequentemente na praça. Cada um no seu mundo, mas com um respeito mútuo e muitas risadas entre as cartas e os "sermões". Afinal, até o padre sabia que um pouco de humor nunca fez mal a ninguém, e Zé... bem, ele sabia que, de vez em quando, até o diabo pode perder uma boa partida de truco.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 04/01/2025
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