Os Candidatos e o Macumbeiro
Na cidade de Pimentelândia, onde a política era quase um esporte e as campanhas eleitorais sempre prometiam mais emoção do que um campeonato de futebol, dois candidatos a prefeito estavam disputando cada voto com a mesma determinação de um time no segundo tempo de final de Copa do Mundo. De um lado, o João “Cabeludo”, empresário de sucesso, que era conhecido por seu carisma e promessa de transformar a cidade em um polo turístico. Do outro, o Pedro “Boca de Ouro”, advogado popular, que tinha a solução para todos os problemas, até os que a cidade nem sabia que tinha.
Durante a campanha, ambos chegaram à mesma conclusão: precisavam de um empurrãozinho espiritual. Afinal, quem não quer um pouco de sorte quando se trata de política? E foi assim que ambos decidiram visitar o mesmo macumbeiro, sem saber que o outro também tinha feito a mesma escolha.
Na casinha discreta do Seu Zé, um macumbeiro que atendia a todo tipo de cliente — de políticos a roqueiros — os dois candidatos se encontraram por acaso, ao entrarem pela mesma porta, nos mesmos minutos, ao mesmo tempo. O ambiente estava carregado de ervas, velas, e o cheiro característico de um bom feitiço. Eles se olharam, desconfiados, mas logo tentaram manter a pose. Afinal, político que é político não demonstra fraqueza.
Seu Zé, com seu turbante colorido e seu olhar enigmático, os recebeu com um sorriso largo, como quem já sabia que ambos iriam aparecer.
— Olá, meus filhos! Vejo que a política de Pimentelândia está movimentada! — disse Seu Zé, apontando para duas cadeiras. — Sentem-se, vamos ver o que as estrelas e os orixás têm a dizer.
João “Cabeludo” se sentou primeiro, ajeitando o cabelo de forma meticulosa, como se estivesse em um evento de gala. Pedro “Boca de Ouro” foi logo atrás, sacudindo as mãos, como quem se prepara para uma grande fala.
— Seu Zé, quero saber o que o futuro me reserva! — exclamou João, com a confiança de quem já estava com a vitória nas mãos.
— Quero saber, é claro, como ganhar do Cabeludo! — respondeu Pedro, com um sorriso maroto.
Seu Zé olhou os dois com um ar divertido, como se estivesse apreciando a situação. Ele começou a preparar o que parecia ser um feitiço bem elaborado, mexendo em suas ervas e entoando palavras misteriosas. No fundo, ele estava se divertindo mais do que os próprios candidatos.
Depois de alguns minutos de silêncio tenso, o macumbeiro revelou:
— Para João, vejo um futuro promissor, mas... cuidado com os ventos da vaidade, meu filho. Eles podem te levar para caminhos escorregadios. Precisa de uma proteção forte! E um conselho: não vá se esquecer de fazer promessas que não possa cumprir, hein? O povo lembra!
João “Cabeludo” assentiu, impressionado, mas não demorou a se animar.
— Não, Seu Zé, eu tenho um plano! Vou fazer uma praça maravilhosa, um centro de turismo! Todo mundo vai me adorar!
Seu Zé deu um sorriso enigmático e, sem perder o ritmo, virou-se para Pedro.
— Agora, Pedro, vejo muitos discursos, muitas palavras, mas pouca ação. Precisa de coragem para tomar decisões rápidas e assertivas. Mas cuidado com a língua! As palavras podem virar cobras, sabia? Vai ter que aprender a morder a língua se quiser ganhar este jogo.
Pedro, que adorava falar, arregalou os olhos.
— Morder a língua, Seu Zé? Como assim?
— Exatamente, meu filho. E também… cuidado com os aliados, que tem mais leão em pele de cordeiro do que você imagina! Mas no fundo, você vai longe. Só não pode se perder no caminho.
Os dois candidatos estavam cada vez mais intrigados. Afinal, o que aquilo significava? O que seriam as “palavras que viram cobras” e os “ventos da vaidade”?
O macumbeiro, percebendo o estado de perplexidade dos dois, deu a última cartada:
— Olhem, meus filhos, vou ser direto: se vocês querem mesmo ganhar, façam o que todo bom político faz. Façam um pacto... com a população. E lembrem-se: promessas de reforma e prosperidade são ótimas, mas quem dá o voto é o povo, não os orixás!
João e Pedro se entreolharam, sem saber se aquilo era uma revelação divina ou uma piada de Seu Zé. Mas antes que pudessem perguntar mais, o macumbeiro já os estava mandando embora.
— Agora vão, e que a sorte esteja com vocês! E lembrem-se, senhores, o feitiço mais forte é o do trabalho e do bom senso... o resto é só truque de baralho!
Na saída, João “Cabeludo” e Pedro “Boca de Ouro” trocaram um olhar furtivo. Ambos sabiam que, no fundo, haviam recebido o mesmo conselho: a política de Pimentelândia não precisava de mais truques, mas de algo bem simples — ser honesto. E com isso, seguiram suas campanhas.
Na semana seguinte, a cidade ficou sabendo que, na maior reunião política da história de Pimentelândia, os dois candidatos, surpreendentemente, haviam prometido o mesmo projeto: uma praça cheia de árvores, um centro de turismo e, claro, muitas opções de comida e lazer para todos. Algo que parecia ter saído diretamente de um sonho.
Mas o que ninguém soube foi que, naquela mesma noite, João e Pedro se encontraram secretamente e combinaram: “Vamos fazer o que o Seu Zé disse. Falar bem, prometer o básico e, se alguém perguntar sobre as cobras... bem, a gente finge que não ouviu.”
E assim, a cidade seguiu sua vida política, com mais promessas e menos truques. E, no final das contas, os dois candidatos descobriram que o maior segredo de todos era: quem não sabe jogar com o povo, não joga nunca.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 04/01/2025