Cabine Não é Motel
Era uma tarde quente de sábado, o sol já começava a derreter no horizonte, tingindo o céu de laranja e vermelho. Na beira da rodovia, Edna acenava com as mãos para cada caminhão que passava, o cabelo solto e um sorriso de quem sabia o que queria. Ela não estava com pressa, mas sabia que a chance de conseguir o que queria passava com cada caminhão que seguia em frente.
Havia horas que ela estava ali, e o cansaço se acumulava como uma poeira invisível sobre os ombros. Mas a oportunidade não estava distante, ela sabia disso. O farol de um grande caminhão, reluzente sob o sol da tarde, piscou de longe, vindo em sua direção. Ela esticou o braço, mais uma vez, e o motorista fez o sinal de que pararia.
Com um sorriso de quem tem o controle da situação, Edna subiu na cabine do caminhão, agradecendo com um gesto da mão. O motorista, um homem corpulento com barba por fazer e um olhar cansado, fez um aceno silencioso, talvez esperando que a conversa não fosse mais longe do que o necessário. Ela se acomodou ao lado dele, olhando pela janela, sentindo a vibração das rodas do caminhão no asfalto quente.
O homem tentou puxar assunto, perguntando de onde ela vinha, para onde ia. Ela sorriu com um tom de voz suave, jogando palavras e olhares que mais pareciam estratégias do que simples respostas. Ela sabia muito bem como cativar os homens, como fazê-los se perder nas próprias palavras, ou na sua presença, um truque que aprendera com o tempo.
À medida que o caminho se estendia, o ambiente na cabine parecia se estreitar. O cheiro de café frio e cigarro misturava-se com a sensação de confinamento. Edna sentiu uma leve tensão no ar, algo que dizia mais sobre os desejos não falados do que qualquer palavra dita. O motorista começou a se aproximar dela, tentando provocar uma intimidade que ela não estava disposta a aceitar. Ele, com seus gestos confusos e suas palavras tortas, parecia já ter ultrapassado a linha invisível da educação.
Mas Edna tinha seus próprios limites, e ali, naquela cabine apertada, ela percebeu que o jogo já não era mais divertido. As intenções dele, disfarçadas em sorrisos e olhares, não a pegavam mais de surpresa. Ela já sabia o que fazer, já tinha enfrentado outras situações como aquela, e sabia como sair de forma elegante, sem deixar rastros.
Ela, com sua calma habitual, olhou para ele e disse: “Desça a próxima saída que eu vou descer.” O homem, surpreso, hesitou por um momento, mas obedeceu. O caminhão freou lentamente e Edna saltou do veículo com a destreza de quem já conhecia o percurso. Sem olhar para trás, ela caminhou pela margem da rodovia até sumir de vista, o vento batendo forte contra seu rosto, como se a estrada estivesse a aplaudindo pela coragem.
O caminhoneiro olhou pelo retrovisor, mas não a viu mais. Era só mais um dia na estrada, e a cabine, que ele imaginara ser um espaço de possibilidades, era apenas mais um palco vazio.
Edna seguiu seu caminho, sabia que aquela história não teria mais nada a dizer. Porque, na estrada, as viagens acontecem, mas o destino de cada um é decidido pelos próprios passos. E, naquela noite, o destino dela não tinha nada a ver com aquele caminhão.
Fim.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 04/01/2025