Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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Olhos Verdes e Algemas
O calor da cidade era intenso naquele dia. A delegacia, em pleno centro, parecia um prédio imóvel em meio ao caos da rotina. O delegado Paulo sempre estava acostumado à pressão. Sua carreira, marcada por anos de batalhas contra o crime, exigia firmeza, disciplina e, acima de tudo, uma distância emocional que ele tentava manter com todos, especialmente com sua filha.

Larissa, sua única filha, era jovem e estava no último ano da faculdade de Direito. Desde pequena, ela admirava o trabalho do pai, mas não conseguia entender completamente o peso de sua profissão. Era um amor imenso, mas também uma pontada de tristeza no peito toda vez que o via sair para mais uma jornada. Ele, por sua vez, sabia que estava longe de ser um herói. Sabia o que acontecia nas sombras e se esforçava para dar à filha a melhor vida possível, apesar das dificuldades.

Naquela tarde, Larissa chegou à delegacia para uma visita rápida, um café com o pai, um momento raro de descanso em meio à agitação. Quando entrou, ela não sabia exatamente o que a esperava. O delegado Paulo estava em sua sala, organizando relatórios. Ao vê-la entrar, levantou-se, sorriu, e a abraçou com afeto.

— Olá, minha filha! Como foi a faculdade hoje? — ele perguntou, com aquele sorriso acolhedor que só um pai pode ter.

Antes que ela pudesse responder, o som de portas se abrindo e o ruído de correntes e algemas ecoaram pelo corredor. Era o som típico de um prisioneiro sendo trazido para a cela, mas algo estava estranho. Paulo imediatamente levantou os olhos para a porta e viu um homem sendo empurrado por dois agentes. Ele estava algemado, mas o que chamou a atenção de Paulo, e de Larissa, foi a jovem mulher que o acompanhava. Ela estava parada ali, com um olhar fixo no prisioneiro, e seus olhos verdes brilhavam de uma forma que não podia passar despercebida.

O homem, um sujeito alto, de cabelos bagunçados e roupas sujas, foi puxado para o interior da delegacia. Mas foi o olhar de Larissa que mudou tudo. Seus olhos se encontraram com os do prisioneiro, e foi como se o tempo tivesse parado. O coração de Larissa acelerou, uma sensação estranha, mas ao mesmo tempo intensa, tomou conta dela. Ele parecia perdido, com o olhar distante, mas algo em seus olhos a fez sentir uma empatia instantânea. Ela não sabia, mas naquele momento, algo tinha se quebrado.

— Pai, quem é esse? — Larissa perguntou, sem conseguir tirar os olhos do prisioneiro.

Paulo, que reconheceu imediatamente o homem como sendo Gustavo, um criminoso envolvido em uma série de assaltos, franziu a testa. O prisioneiro não deveria ter atraído a atenção de sua filha, e por isso, Paulo se apressou em responder.

— É um caso complicado, Larissa. Não se envolva. Ele é um criminoso, não vale a pena.

Larissa, porém, não conseguiu se afastar do pensamento que havia começado a formar em sua mente. Ela nunca havia sentido uma conexão assim com alguém, nem mesmo com o pai, que sempre foi seu pilar de segurança. Era como se uma corrente invisível a puxasse para aquele homem. Gustavo estava sendo conduzido até a cela, mas Larissa não conseguia parar de olhar para ele.

A visita de Larissa terminou logo depois, mas ela não parava de pensar naquele homem de olhos intensos. Por mais que tentasse, não conseguia entender por que se sentia assim, como se ele fosse mais do que aparentava ser. Aquela atração, aquele olhar, era uma mistura de fascínio e compaixão.

Nos dias seguintes, Larissa sentiu uma inquietação crescente. Ela queria saber mais sobre Gustavo, saber o que havia por trás daquele olhar. Ela sabia que seu pai jamais permitiria, mas não importava. Ela, que se considerava uma pessoa racional, sentiu-se tomada por um impulso irracional.

Foi assim que, em um fim de tarde, ela foi até a delegacia sem avisar o pai, com a desculpa de precisar de um documento. Quando chegou, encontrou Gustavo novamente sendo escoltado, agora para uma audiência. Ela se aproximou discretamente, e sua voz quase falhou quando ele a reconheceu.

— Olá... — disse ele, com um sorriso cansado, como se já estivesse acostumado a ser tratado como invisível. — Você... é a moça de olhos verdes.

Larissa não sabia como responder, o coração batendo forte no peito. Era um momento inexplicável, mas ela sabia que não podia voltar atrás. Por algum motivo, sentia que precisava entender quem era Gustavo, e o que estava por trás de sua história.

Com o tempo, Larissa começou a visitar Gustavo sempre que podia. Ele, por sua vez, estava surpreso com o interesse dela, mas não questionou. Aos poucos, as visitas se tornaram mais frequentes, e o que antes parecia uma atração passageira foi se transformando em algo mais profundo. Ela descobriu que Gustavo não era apenas o criminoso que seu pai conhecia. Ele tinha uma história, cheia de erros e arrependimentos, mas também com uma grande dor que ele carregava.

Enquanto isso, o delegado Paulo começou a perceber o que estava acontecendo. Ele sabia que Larissa sempre teve uma curiosidade pela justiça, mas essa obsessão por Gustavo o deixava desconfortável. Ele, que havia sempre sido o protetor, agora sentia que sua filha estava mergulhando em um território perigoso. Ele tentou alertá-la, mas não conseguiu. Ela estava decidida.

A história de Larissa e Gustavo foi ganhando novos contornos. O amor não seguia regras, e ela se viu dividida entre o carinho que tinha pelo pai e o que sentia por aquele homem. As visitas se tornaram mais intensas, e a paixão se fortaleceu, mesmo que em segredo.

No final, o que parecia impossível foi se concretizando. O amor de Larissa e Gustavo não foi suficiente para mudar o destino dele, mas foi capaz de mudar a forma como ela via o mundo. Seu pai, com o tempo, aceitou, mais pela força da situação do que por escolha.

O amor, por mais complicado que fosse, não se importava com as correntes e as algemas. Ele, às vezes, nasce no lugar mais inesperado, em um olhar furtivo, em um momento de decisão que muda tudo.

Fim.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 04/01/2025
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