Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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O Vento E A Profecia
              O vento que soprava pelas ruas empoeiradas da pequena cidade interiorana parecia carregar mais do que poeira; trazia segredos, sonhos e, para alguns, o prenúncio de mudanças. José de Arimatéia, um jovem simples e trabalhador, conhecia bem a aspereza daquele solo. Ele cuidava dos pais idosos e de seu irmão mais novo, um cadeirante cheio de vida e sonhos, apesar das limitações. Sua rotina era modesta: plantava, colhia e vendia verduras com sua carroça, puxada por um cavalinho castanho chamado Valente.
           Valente era mais do que um companheiro de trabalho; era confidente. Sempre que José o levava ao riacho para um banho ou para dar-lhe ração, ele conversava com o animal como se desabafasse com um velho amigo.
– Valente, às vezes parece que o mundo é pequeno demais para meus sonhos e grande demais para minha força.
Contava seus medos, sonhos e também os insultos que ouvia pelas ruas.
– Lá vai o pobre verdureiro! Vai morrer sozinho, ninguém vai querer um sem eira nem beira! – lembrava, com um sorriso triste.
           Ele não respondia. Mantinha a cabeça baixa, cantarolava baixinho ou assoviava uma melodia que apenas ele conhecia.
A cidade era cercada por morros cobertos de verde, onde o vento balançava as copas das árvores e coqueiros. As ruas, ladeadas por velhas árvores que proporcionavam sombra e frescor, tinham um charme bucólico. Era neste cenário que José seguia sua jornada, apesar das adversidades.
        Um dia, enquanto empurrava a cadeira de rodas do irmão para dentro de uma pequena igreja local, sentiu os olhares cravados nele. Alguns eram de admiração, outros de desprezo. No meio da reunião, uma senhora idosa, de cabelos grisalhos e veuzinho branco, aproximou-se dele. Com um olhar firme e voz baixa, disse:
– Meu filho, Deus manda te dizer: não se turbe. O vento que sopra ao contrário virá ao seu favor.
        Aquela frase o marcou, mas, com o tempo, quase a esqueceu.
       Certo dia, enquanto percorria as ruas com sua carroça, vendendo de porta em porta, o tempo mudou. O céu escureceu e uma ventania feroz tomou conta da cidade. As pessoas corriam, fechando janelas e portas. Um carro luxuoso parou na rua.
Dele desceu uma jovem bem vestida, Hortência, acompanhada da mãe. A moça entrou apressada em uma loja para se abrigar da chuva que começava a cair. A mãe, porém, ao atravessar a rua, escorregou no cascalho e caiu.
      Enquanto os outros apenas olhavam, José largou sua carroça e correu para ajudar. Levantou a senhora com cuidado, amparando-a com suas mãos calejadas. Hortência, ao ver a cena, encarou a chuva e correu para junto da mãe. Quando José entregou a senhora nos braços da filha, seus olhos se encontraram. Por um momento, parecia que nem a chuva, nem o vento importavam. Hortência agradeceu com um sorriso trêmulo, mas cheio de sinceridade. José apenas assentiu e voltou para sua carroça.
           Nos dias seguintes, a cena não saía da cabeça de Hortência. Ela perguntava-se quem era aquele rapaz de olhar tão bondoso e gestos tão nobres. Algum tempo depois, o mesmo carro luxuoso estacionou ao lado da carroça de José. Desta vez, quem desceu foi o pai de Hortência, acompanhado pela esposa e pela filha. Hortência trazia uma pequena caixa nas mãos.
Com os pais a seu lado, ela aproximou-se de José, que olhava a cena sem entender. Com um sorriso, abriu a caixa, revelando um par de alianças.
       – José, você salvou minha mãe e mostrou que a verdadeira riqueza está no coração. Aceita caminhar comigo pela vida?
       O jovem, antes tão humilhado e ignorado, mal podia acreditar. Seus olhos encheram-se de lágrimas enquanto assentia, incapaz de falar. Dias depois, a cidade toda comentava o casamento do verdureiro com a herdeira da maior fazenda da região. Aqueles que antes o desprezavam observavam de longe, enquanto José e sua nova família começavam uma vida onde o vento, finalmente, soprava a favor.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 04/01/2025
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