A Parteira e o Valentão
No coração do sertão, em uma região onde até o vento pensava duas vezes antes de passar com força, vivia o casal mais temido que as redondezas já conheceram: Zeca Trovoada e Maria da Peste. Zeca era o típico valentão, com um olhar capaz de assustar jaguatirica, e Maria não ficava atrás, com a língua afiada e fama de resolver problemas na base do facão. Diziam que até as pedras tremiam quando os dois brigavam — o que era raro, porque até o medo parecia obedecer aquele casal.
Certo dia, Maria sentiu as dores do parto. E como ela era valente, segurou as primeiras contrações como se fossem um incômodo qualquer. Mas quando as dores ficaram mais fortes, Zeca percebeu que nem toda valentia do mundo fazia uma mulher parir sozinha. Foi então que mandaram buscar Dona Marcolina, a parteira da região, que tinha fama de colocar criança no mundo com a destreza de quem descasca um pequi sem se ferir.
Só que Dona Marcolina não era de se intimidar fácil. Ao receber o recado, ela olhou o mensageiro de cima a baixo e disse:
— Parto da Maria da Peste? E o Zeca Trovoada vai estar lá?
— Vai sim, dona. Dizem que ele já tá afiando a peixeira, só de nervoso.
— Pois vá avisando que eu vou. Mas vou armada. Se o bichinho nascer bravo igual aos pais, já corto as asas no berço!
No dia seguinte, lá foi Dona Marcolina em seu cavalo velho, carregando uma sacola com panos limpos, ervas medicinais e, claro, sua inseparável cartucheira, além de um punhal preso na cintura e uma faca de cozinha no bolso do avental. O povo da vila, curioso, seguiu de longe para ver se a parteira ia voltar inteira.
Ao chegar na casa, Dona Marcolina encontrou Zeca na varanda, andando de um lado para o outro, com um facão na mão e o olhar desconfiado.
— Quem é você pra vir com essa arma aqui? — rosnou ele.
— Sou a parteira que vai fazer o filho do senhor nascer — respondeu ela, firme. — Mas já aviso: se o menino sair com a cara de bravo, vai levar meu grito antes mesmo de abrir os olhos!
Maria, lá dentro, gritou:
— Dona Marcolina, venha logo! Esse menino tá querendo nascer de bicho bravo mesmo!
Dona Marcolina entrou, avaliou a situação e começou o trabalho, com a calma de quem já viu de tudo nesse sertão. Enquanto ajudava Maria, gritava ordens para Zeca:
— Traga água quente, homem!
— Mas eu não...
— Se não quer ajudar, pelo menos fique quieto, senão faço dois serviços aqui: parto e enterro!
Zeca obedeceu, espantado com a coragem da parteira.
Depois de horas de luta, nasceu o menino. Um bebê rechonchudo, vermelho e berrando tão alto que parecia ter saído direto de um duelo. Dona Marcolina olhou para ele, balançou a cabeça e comentou:
— É, o bicho nasceu bravo mesmo. Mas isso a gente ajeita.
Ela pegou a cartucheira, apontou para o céu e deu um tiro. O bebê, assustado, parou de chorar imediatamente.
— Tá vendo? É só mostrar quem manda! — disse ela, piscando para Maria.
Zeca, que assistia tudo boquiaberto, murmurou:
— Essa mulher é mais valente que eu...
Maria riu, ainda ofegante:
— Pois aprenda com ela, Zeca. Porque agora você vai ter que aguentar dois valentões dentro de casa!
Dona Marcolina pegou suas coisas, ajeitou o chapéu e foi embora, deixando a fama de parteira destemida ainda maior. O menino cresceu, e dizem que puxou a valentia dos pais, mas sempre respeitava a Dona Marcolina. Afinal, foi ela quem deu o primeiro susto no bravo que até o sertão temia!
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 04/01/2025