O Galo Maratonista
Lá no sítio do Zé Bento, a estrela da fazenda era um galo chamado Carijó. Mas não era um galo qualquer: Carijó era, sem dúvida, o corredor nato do sertão. Sua fama já havia atravessado os limites da fazenda e chegado aos ouvidos dos vizinhos, que sabiam que, se alguém tivesse energia para correr até o fim do mundo, esse alguém seria o Carijó. O bicho adorava dar umas voltas no terreiro, e se alguém duvidasse da sua habilidade, ele já estava pronto para provar o contrário, geralmente desafiando os cachorros da casa para umas corridinhas improvisadas. E, claro, sempre vencia.
Certo dia, Zé Bento, já meio entediado com as rotinas de sempre e querendo agitar um pouco as coisas, teve uma ideia brilhante. Pensou: Por que não criar um evento que fizesse o povo da região se divertir e, de quebra, dar fama ao meu galo? O velho já estava cansado das histórias repetidas de fogueiras e cantorias, então resolveu organizar a Grande Corrida do Sertão. A ideia era simples: uma corrida entre os animais mais rápidos do pedaço, com o grandioso prêmio de um saco de milho e um troféu improvisado — um pedaço de madeira pintado à mão, mas que já era símbolo de prestígio naquelas bandas.
Chamou os vizinhos, e logo a notícia se espalhou pela vila. No dia da corrida, o terreiro de Zé Bento estava lotado de gente, com direito a barracas de queijo, café e aquele cheiro inconfundível de terra molhada do sertão. O grande desafio era entre o galo Carijó e o cachorro do compadre João, um vira-lata arisco chamado Relâmpago, que tinha uma fama de ser veloz, mas sem o charme de um corredor de elite.
Quando a corrida finalmente começou, os dois competidores dispararam em direção à linha de chegada — que, por sinal, tinha sido feita com o lençol velho que Dona Maria encontrou na gaveta. A plateia, composta por meia dúzia de vizinhos, estava em êxtase. Zé Bento, com os olhos brilhando de orgulho, assistia de perto. Carijó, com suas penas brilhando ao sol, parecia flutuar pela terra, suas patas rápidas como um raio. Relâmpago, o cachorro, corria com todo o fôlego, mas não tinha a disciplina de um galo treinado para vencer.
E, claro, Carijó cruzou a linha de chegada primeiro. A multidão explodiu em aplausos, e Zé Bento, sem conter a emoção, levantou o galo nos braços e declarou:
— Tá aqui o Usain Bolt das galinhas!
Aquelas palavras ressoaram nas colinas, e todos riram com gosto, reconhecendo, de fato, que o galo era um verdadeiro atleta. A corrida, porém, estava longe de acabar. A emoção tomou conta de todos, mas Zé Bento, em sua empolgação, esqueceu de dar o prêmio prometido: o saco de milho. Carijó, cansado, mas determinado a obter o que lhe era devido, não pensou duas vezes.
Com uma rapidez que até surpreendeu a própria Dona Gertrudes, que estava ali perto fazendo crochet, o galo invadiu o galinheiro das vizinhas. Não só roubou o milho que estava lá, como ainda espalhou penas por todo o galinheiro, deixando o lugar parecendo uma verdadeira festa de confete. O pobre Relâmpago, que havia perdido a corrida, ainda tentou abanar a cauda e pegar o galo, mas Carijó estava já com a boca cheia de milho e nada podia deter sua fome voraz.
A correria nos galinheiros, o caos generalizado e os gritos das mulheres começaram a virar motivo de piada em toda a região. Zé Bento, que até então se orgulhava de ter o galo mais rápido do sertão, agora era visto com um certo ar de vergonha. No entanto, os vizinhos não paravam de rir e se referiam ao Carijó como o “galo conquistador”, como se tivesse vencido uma maratona, mas, no fim das contas, saído com o prêmio maior: o milho das vizinhas.
A fama do galo Carijó se espalhou ainda mais, mas não apenas pela sua habilidade nas corridas. Agora ele era conhecido por sua coragem de ir atrás do que queria, independentemente do que acontecesse. As mulheres riam, dizendo que Carijó era o único galo que sabia disputar e conquistar. E os homens, ao verem aquele galo subindo e descendo pelas cercas, já começavam a chamar o lugar de “Terreiro dos Campeões”.
Mas, para Zé Bento, o evento não tinha sido só motivo de risadas. Ele começou a ver o galo com um novo olhar: Talvez eu tenha um futuro de treinador de atletas aqui, pensava ele. E foi assim que o famoso galo maratonista ganhou ainda mais fama, sendo lembrado não só pela sua vitória, mas pelo seu espírito conquistador — tanto nas corridas quanto nos galinheiros.
A corrida virou motivo de piada por anos, mas também trouxe algo inesperado: uma lição importante para a vila. No sertão, a vitória nem sempre está no prêmio, mas na disposição de lutar e, se possível, garantir uma boa refeição no final. E, como o próprio Carijó ensinou, às vezes a gente ganha mais do que imagina, só por dar a volta certa no lugar certo.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 04/01/2025