O Fusca Encantado
Na roça, a gente não tem muito luxo, mas valoriza o que tem. Seu Ambrósio, o mecânico da vila, que o diga. Ele tinha um fusca azul, ano sabe-se lá qual, mas que era tratado como se fosse uma Ferrari. “Essa belezura nunca me deixa na mão!”, dizia ele, passando a mão no capô do carro como se fosse um filho. O Fusca, velho de guerra, já tinha rodado mais do que a estrada de terra entre a cidade e a roça, mas, para seu Ambrósio, era o melhor carro do mundo.
O tal Fusca tinha até nome, claro: era chamado de Fusquinha. E para quem perguntava sobre o carro, Ambrósio sempre dizia com aquele sorriso de quem está contando um segredo:
— Fusquinha é mais confiável que qualquer outra coisa nesse mundo. Pode até estar com a pintura desbotada e a suspensão meio cansada, mas no coração ele é forte como touro.
Certo dia, Dona Zefa, mulher de voz forte e bom humor, foi até a oficina de Ambrósio pedir uma carona para ir à cidade comprar umas linhas de bordado e uns retalhos. Ela já estava com o vestido de domingo pronto, o sorriso afiado e, como sempre, com uma opinião sobre tudo.
Mas, como era de se esperar, o Fusca resolveu, naquele dia, que não ia pegar. Ambrósio, acostumado com o temperamento do carro, ainda tentou dar uma de mecânico experiente. Mexeu no motor, olhou o filtro de ar, fez carinho no volante e até deu uns tapas no capô. A situação parecia sem solução. Dona Zefa, que tinha o dom de transformar qualquer situação em comédia, observava tudo de longe, com as mãos na cintura.
Ambrósio, já sem paciência, começou a rezar o Pai-Nosso olhando para o tanque de gasolina, como se ele fosse uma espécie de confissão para o Fusca.
— Pai nosso que estais no céu, benzinho... Olha, não vou pedir milagres não, só peço um pouco de gasolina aí nesse motor. Só isso, tá?
Nada. O Fusca continuava mudo e imóvel, como se tivesse tirado um cochilo profundo no meio da estrada.
Dona Zefa, que já estava cansada de esperar e conhecia muito bem o jeito de seu Ambrósio, deu uma risada e sugeriu com o sotaque afiado, típico de quem nasceu no sertão:
— Já tentou conversar com ele?
Ambrósio, com o olhar incrédulo, olhou para Dona Zefa como se ela tivesse pedido para ele voar.
— Conversar com o Fusca? Tá doida?
— Ambrósio, esse carro já passou de velho pra teimoso. Fala com ele como quem fala com um cabrito: ou vai ou vira churrasco!
Dona Zefa, com seu jeito prático e descomplicado, tinha sempre uma solução. E, como se a vida no sertão fosse toda feita de situações impossíveis e resoluções rápidas, ela já sabia que às vezes a única forma de lidar com um problema é dar uma solução simples.
Ambrósio, com os ombros caídos, sabia que não tinha outra saída. Ele se aproximou do Fusca, se inclinou e, com um tom quase de confidência, começou a falar:
— Fusquinha, se você não pegar agora, vou te trocar por uma bicicleta.
Na hora, o motor do Fusca deu um ronco tão forte que pareceu até que o carro estava acordando de um pesadelo. O Fusca, como que assustado, deu partida imediatamente. Foi como um milagre. O carro parecia ter entendido o recado.
Dona Zefa, que assistia a cena com um sorriso no rosto, entrou no Fusca e já disparou a frase que todo mundo na roça já sabia:
— Tá vendo? Na roça, até máquina entende ameaça!
Ambrósio, de olhos arregalados e com uma expressão de quem não sabia se acreditava no que tinha acabado de ver, subiu no banco do motorista e tentou se recompor.
— Eu… eu falei que o Fusquinha não me deixava na mão! — murmurou ele, mas já meio sem saber se o que tinha acontecido era magia ou pura coincidência.
Dona Zefa, com os olhos brilhando de quem sabia que sempre tem a última palavra, não perdeu tempo e, enquanto o Fusca já zumbia pela estrada de terra, soltou uma risada alta e sincera:
— Agora só falta ele me levar na cidade mais rápido que o trem de ferro, que é pra ver quem é mais esperto!
E assim, com o Fusca ronronando como se fosse um gato satisfeito, eles seguiram viagem, deixando no ar uma lição: na roça, até o carro mais velho tem suas manhas — e uma boa ameaça sempre ajuda a colocar as coisas no lugar.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 05/01/2025