Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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A Cobra e o Tio Chico
Tio Chico era daqueles caipiras que sabiam tudo da natureza, ou pelo menos fingia que sabia. Para ele, o sertão era um grande livro aberto, cheio de sabedoria e soluções para tudo. Conhecia as ervas, os caminhos da mata e até as constelações, embora, na verdade, fosse mais por gosto do que por estudo. Ele vivia com Dona Gertrudes, a mulher com a mão forte e o temperamento impetuoso, e o sobrinho Toinho, um rapaz curioso e de risos fáceis, que morava com eles.

Num certo dia quente de verão, Tio Chico estava lá, suado e com o chapéu de palha na cabeça, capinando o quintal. Aquele quintal que ele sempre achava que poderia dar uma boa plantação de mandioca ou até uma pequena horta de pimentas, mas acabava virando um campo de batalha contra as ervas daninhas e as visitas indesejadas da fauna local. E não é que, no meio do trabalho, ele deu de cara com uma cobra? Não era muito grande, mas também não era pequena o suficiente para ignorar.

Era uma daquelas cobras comuns de mato, mas com um olhar penetrante que parecia desafiar quem ousasse se aproximar.
Tio Chico, ao contrário de qualquer pessoa normal que teria recuado ou gritado por ajuda, não demonstrou nenhum pânico. Pelo contrário, deu um passo à frente, com a confiança de quem acha que pode resolver qualquer coisa com palavras. Pegou um galho seco, apontou para a cobra e disse, com sua voz calma e imponente:
— Escuta aqui, minha filha, esse quintal é meu. Se quiser ficar, vai ter que pagar aluguel.

A cobra, claro, não respondeu. Ficou lá, enrolada, com a língua bifurcada saindo da boca, olhando para Tio Chico como quem diz: “Você tá me zoando?”. Tio Chico, sem se intimidar com o olhar impassível da serpente, continuou, convencido de que estava tomando a melhor decisão:
— Tá bom, tá bom, vou te dar um desconto. Fica aí uns dois dias, mas depois some! Isso aqui não é lugar pra ninguém morar, principalmente pra cobra.
Toinho, que estava observando tudo de longe, com os olhos arregalados e a boca aberta de incredulidade, não conseguiu conter o riso. Ele gritou de longe, com o tom de quem não acreditava no que via:
— E se ela não for embora, tio?
Tio Chico, com um sorriso tranquilo, respondeu sem hesitar, como se estivesse resolvendo um caso jurídico importante:
— Ora, aí eu despejo! — disse ele, fazendo um gesto com a mão, como quem está argumentando na corte.

Nesse momento, a cobra, aparentemente mais interessada no movimento do galho do que nas palavras do Tio Chico, apenas se enrolou mais ainda, dando uma olhada rápida para o homem, talvez avaliando se valia a pena escutar mais o que ele tinha a dizer. Mas, no fundo, ninguém sabia ao certo o que ela pensava. Tio Chico, no entanto, parecia seguro de que a conversa resolveria o problema.
Na manhã seguinte, quando Tio Chico saiu para verificar se a cobra ainda estava por ali, percebeu que ela havia sumido. Ele sorriu satisfeito, acreditando que sua diplomacia havia funcionado. Voltou para dentro de casa com um ar de quem acabara de resolver um grande dilema, e, sem sequer olhar para Dona Gertrudes, comentou, com orgulho:
— Viu? Conversa é a melhor solução. Falei com ela e, como eu disse, foi embora sem briga.

Dona Gertrudes, que estava lavando as roupas no quintal e ouvindo a conversa, olhou para Tio Chico com um sorriso travesso.
— Foi mesmo, foi? — perguntou ela, sem tirar os olhos do seu trabalho.
— Claro! Falei com educação, dei as condições e ela entendeu. Não voltou mais.
Tio Chico estava tão convicto de sua “vitória” que não percebeu o que realmente acontecera. Foi então que Dona Gertrudes, com a astúcia de quem já lidou com muitos problemas mais complicados, revelou o que aconteceu na realidade.
— Eu vi quando ela ainda estava lá, escondida na sombra do galinheiro. Foi quando peguei minha velha vassoura de cabo torto e... bem, resolvi a situação de uma maneira mais prática. A vassoura tem um jeitinho especial de conversar, sabe?
Tio Chico olhou para ela com os olhos arregalados, sem saber se ria ou se ficava embaraçado.
— Você despejou a cobra com a vassoura? — perguntou ele, incrédulo.
Dona Gertrudes, com sua sabedoria silenciosa, deu uma risadinha e continuou a lavar a roupa.
— Ora, quem precisa de palavras quando se tem uma boa vassoura, Chico? Às vezes, é mais rápido e eficaz.

Toinho, que estava ouvindo tudo de longe, se aproximou e, com a cara de quem sabia muito bem do que se tratava, comentou:
— Então o tio não fez nada, né? Quem resolveu foi a vassoura.
Tio Chico, coçando a cabeça e rindo, não tinha muito o que dizer. Ele, que sempre achava que era o mestre das soluções com palavras, aprendeu, naquele dia, que a natureza tem suas próprias regras — e, no caso da cobra, uma boa vassoura resolvia mais rápido que qualquer conversa.
A moral da história? No sertão, até a diplomacia tem seu valor, mas uma vassoura de cabo torto tem um poder bem maior quando se trata de resolver problemas na prática!
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 05/01/2025
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