O Cafajeste Não Se Cura
Na cidade de São Vicente, havia um sujeito que não passava despercebido. Seu nome era Jorge, mas todo mundo o conhecia como o Cafajeste. Dizia-se que ele tinha um talento inusitado para se meter em encrenca, conquistar corações e, invariavelmente, quebrar alguns. Ao longo dos anos, o apelido se solidificou e, por onde passava, Jorge já não precisava mais falar. O nome falava por si.
O Cafajeste era o tipo de homem que chegava nos bares com um sorriso largo, um olhar que combinava charme e deboche, e uma história nova para cada novo dia. As mulheres se derretiam, os homens o invejavam e, claro, os fofoqueiros tinham o que comentar.
Ele não fazia questão de se esforçar, não tinha intenções profundas. Tudo o que queria era viver a vida à sua maneira: rápida, leve e sem compromissos. O Cafajeste não se envolvia, não se entregava. Não porque fosse incapaz, mas porque, na sua cabeça, isso significava perder a liberdade.
Certo dia, Dona Elvira, uma mulher respeitada na cidade e dona de um comércio de flores, decidiu que já estava cansada da fama de Jorge. Já era o suficiente. Ela mesma tinha sido vítima de um de seus encantos de barro, e isso a fez refletir por um bom tempo sobre o que ele representava para as mulheres da cidade. Não seria ela a deixar que o Cafajeste continuasse sua jornada destruidora, sem que ao menos alguém o desafiasse.
Assim, decidiu que iria dar-lhe uma lição de humildade. Dona Elvira tinha uma força de vontade digna de uma guerreira e sabia que a melhor maneira de lidar com aquele homem era ser inteligente. Então, um dia, ela foi ao bar onde Jorge estava, com seu sorriso falso, bebendo uma cerveja e brincando com seus admiradores.
Ela chegou perto dele e, sem hesitar, lançou a pergunta que poderia fazer o Cafajeste repensar sua vida:
— Jorge, você já pensou em mudar?
Jorge olhou para ela com um sorriso cínico, achando que ela estava flertando. Aquele olhar de quem não levava nada a sério.
— Mudar? Ah, Dona Elvira, mudar para quê? Já sou perfeito do jeito que sou.
Ela cruzou os braços, impassível.
— Não, Jorge. Não é sobre perfeição. É sobre ser um homem de verdade. Ser um homem que respeita, que honra. Mudar é aprender a se curvar diante daquilo que merece respeito. Você não acha que chegou a hora de fazer isso?
Ele riu, achando graça da situação.
— Você está me dizendo para me curvar? Eu? — O sorriso se alargou ainda mais em seu rosto. — Minha senhora, eu não me curvo a ninguém. Nem mesmo a mim.
Dona Elvira sorriu, mas não por simpatia. Sua expressão era a de quem sabia exatamente com quem estava lidando. Ela sabia que o Cafajeste não entendia que a verdadeira liberdade vem do reconhecimento da responsabilidade. Que, por trás daquele ego inflado, havia um homem perdido em sua própria superficialidade.
Com um tom mais suave, quase um sussurro, ela disse:
— Talvez você não precise se curvar a ninguém, Jorge, mas talvez precise aprender a se curvar a algo maior que você. Não a mim, nem a ninguém mais, mas a vida. Porque, um dia, a vida vai exigir que você se curve, e, nesse dia, não haverá mais charme nem risadinhas para te salvar.
Jorge ficou em silêncio por um momento. O olhar de Dona Elvira foi certeiro, como uma flecha que acerta o alvo sem hesitar. Ele tentou desviar, rindo nervosamente, mas a mensagem estava dada. Não foi a risada, nem a frase vazia que o Cafajeste usava para sair ileso de todas as situações. Foi a sinceridade naquilo que Dona Elvira falou, e ele sentiu um calafrio estranho. Não era medo, mas era algo que ele nunca havia experimentado antes: o peso de suas próprias escolhas.
Dona Elvira se afastou com a calma de quem sabe que a batalha não se vence em um único movimento. Jorge a observou se afastando, o sorriso desvanecendo aos poucos, como se pela primeira vez ele estivesse realmente ouvindo o que alguém dizia, em vez de apenas reagir à expectativa dos outros.
Naquela noite, o Cafajeste não se curvou. Não naquele momento. Mas a semente estava plantada. Talvez, um dia, Jorge entendesse que não é só a mulher que exige respeito, mas a própria vida. E, quando ela exige, nem todo charme ou descaso é suficiente para escapar.
O Cafajeste, no fundo, sabia disso. Ele apenas preferia não pensar.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 05/01/2025