Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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A Vigília dos Mortos
Na pacata cidade de Santa Cruz do Além, o prefeito Dorival Custódio era famoso por suas promessas pomposas e por sua preguiça monumental. Uma de suas maiores pendências era o velho cemitério da cidade, que mais parecia um cenário de filme de terror: lápides cobertas de musgo, túmulos afundados e mato alto que escondia até os gatos vadios.

Os moradores, revoltados, cobravam melhorias. Mas Dorival sempre tinha uma desculpa:
— Ah, gente, vamos combinar... o cemitério não reclama, né? Os moradores lá estão todos em silêncio!

Cansados de esperar, os vivos desistiram, mas os mortos, não.

O Estranho Barulho Noturno
Numa noite sem lua, quando até os cachorros evitavam o cemitério, começaram os ruídos. Enxadas batendo, pás cavando, vozes indistintas. O som ecoava pela cidade. Dona Cleuza, que morava na esquina do cemitério, foi a primeira a perceber.
— Parece que tão reformando o lugar, mas só de noite? Quem trabalha nessa hora? — perguntou ao marido, que respondeu com o clássico:
— Isso é coisa da sua imaginação, mulher.

No entanto, o barulho continuou noite após noite. O boato cresceu, e logo os moradores juravam que o cemitério estava sendo "visitado" por seus próprios habitantes. Organizaram vigias, mas ninguém nunca viu nada. A polícia foi chamada e, após uma ronda completa, confirmou que o cemitério estava vazio. Só os mortos ocupavam aquele espaço.

O Milagre do Cemitério Limpo
Depois de semanas de mistério, o cemitério, antes abandonado, apareceu completamente limpo. As lápides reluziam, as covas estavam alinhadas, e até flores surgiram nos túmulos mais antigos.
— É milagre! — gritou Dona Zefa ao ver o lugar.
O prefeito, aproveitando a ocasião, reuniu a imprensa local. Com o sorriso largo e o cabelo penteado com gel, ele declarou:
— Meus amigos, foi graças à minha gestão visionária que o cemitério foi revitalizado! Agora, nossa cidade pode se orgulhar!

A empreiteira contratada para o serviço, no entanto, jamais apareceu para trabalhar. Dorival, aliviado por não precisar gastar o dinheiro da obra, guardou a verba no cofre da prefeitura, planejando usar parte dela em sua "reforma pessoal": um terno novo e uma poltrona de couro para o gabinete.

O Recibo dos Mortos
Na manhã seguinte, ao abrir o cofre, Dorival deu um grito que acordou até os funcionários do almoxarifado. Não havia dinheiro, apenas um recibo velho, assinado com uma caligrafia irregular e uma frase que parecia ter saído de um pesadelo:

"Os mortos cobram caro. Respeite nosso descanso, ou nós mesmos buscaremos o seu."

Dorival, pálido como um defunto, convocou uma reunião de emergência. Ninguém entendia como o dinheiro sumiu. A história do recibo e da frase macabra espalhou-se pela cidade. Uns riam, outros temiam. Diziam que Dorival começou a frequentar missas diárias, acendendo velas para cada santo que conseguia lembrar.

A Nova Era do Cemitério
Desde então, Santa Cruz do Além nunca mais teve problemas com o cemitério. Dorival contratou uma equipe de zeladores permanentes e decretou que o dia dos finados fosse celebrado com pompa e festivais de flores. E ele mesmo nunca mais passou perto do cemitério à noite.

Já os moradores, embora ainda escutem barulhos estranhos de vez em quando, aprenderam a rir da história:
— Agora sim o prefeito trabalha... nem que seja com ajuda de quem já foi!
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 09/01/2025
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