Na cidadezinha de Curralinho Alegre, todo mundo sabia quem era a professora Geralda: uma mulher de fala elegante, roupa impecável e cheia de orgulho do título que carregava. "Mestre do Saber", ela gostava de se autodenominar, embora seus alunos soubessem que tinha uma dificuldade secreta que ela escondia com unhas e dentes: Geralda não sabia tabuada.

Ah, ela até decorava algumas partes da tabela de multiplicação — os clássicos como 2x2 e 5x5. Mas quando chegava nos 7, nos 8 e, Deus nos livre, nos 9, era um desastre. Para disfarçar, sempre dizia:
— Crianças, o importante é entender o conceito. A matemática vai muito além da memorização!

Os alunos desconfiavam, mas não ousavam questionar a professora, que sempre dizia:
— Se tiverem dúvidas, consultem a calculadora. A tecnologia existe para isso!

O Encontro com Seu Anselmo
Numa manhã quente de sábado, Geralda saiu para fazer compras na feira. Carregava sua bolsa de couro e andava como uma rainha, até tropeçar num saco de latinhas que o catador Anselmo carregava. Ele era um homem humilde, sempre visto empurrando seu carrinho improvisado e com a cara suada, mas com um sorriso permanente no rosto.

— Perdão, dona professora! Não vi a senhora aí — disse Anselmo, recolhendo as latinhas que haviam se espalhado.

— Tudo bem, Seu Anselmo. Mas cuidado da próxima vez, por favor — respondeu Geralda, ajeitando a saia.

— Ah, eu cuido. E a senhora, tudo certo? Comprando muito hoje?

Geralda sorriu sem graça e respondeu:
— Sim, claro. Só organizando a vida, como sempre.

Anselmo então olhou para uma balança velha na banca ao lado e, distraído, comentou:
— A senhora sabe quanto dá 8x6? Preciso calcular pra ver quanto vai pesar meu carrinho cheio.

Geralda paralisou. "8x6? Quem em sã consciência pensa nisso de cabeça?", pensou. Tentando disfarçar, ela respondeu:
— Ah, isso é fácil. Veja bem... É... Bem, o importante é entender que...

— 48 — respondeu Anselmo, sem esperar a explicação. — Oito vezes seis dá 48.

A Aula Inesperada
Geralda ficou sem graça, mas antes que pudesse sair dali, Anselmo continuou:
— A senhora sabia que a tabuada é como um mapa? É só seguir as estradas certas que você chega no número certo. Quer ver?

Sem dar tempo para resposta, Anselmo pegou um graveto no chão e começou a desenhar na terra.
— Olha aqui: 7x8 é só lembrar que é igual a 56, porque 7 dias da semana vezes 8 semanas dá 56 dias. Fácil, né?

Os feirantes começaram a prestar atenção. Um ou outro interrompia para fazer perguntas, como se fosse um desafio.
— E 9x9, Seu Anselmo? — gritou o vendedor de frutas.

— Fácil, meu amigo! É 81. E quer um truque? Some 8 e 1. Dá 9! A tabuada do 9 sempre dá esse resultado. Experimente.

A plateia ficou impressionada. Geralda, por sua vez, tentava parecer ocupada olhando abóboras numa barraca ao lado, mas não conseguia escapar. Seu Anselmo olhou diretamente para ela.
— Dona Geralda, me diga aí quanto dá 7x7?

A professora engasgou.
— Bem... Eu... É...

— 49, dona Geralda. Quarenta e nove! Tabuada não é bicho de sete cabeças, não. É só prática.

As gargalhadas tomaram conta da feira. Geralda sentiu o rosto esquentar. Mas em vez de ficar brava, algo nela mudou. Ela sorriu e admitiu:
— Seu Anselmo, o senhor tem razão. Acho que preciso de umas aulas com o senhor.

— Pois venha, professora! Eu ensino, e a senhora me ensina a ler direito os letreiros das latas. Tá feito o trato!

Uma Nova Amizade
A partir daquele dia, Geralda e Anselmo se tornaram parceiros improváveis. Nas tardes de sábado, enquanto Geralda ensinava Seu Anselmo a ler e escrever, ele lhe dava aulas de tabuada, sempre com paciência e um ou outro truque engenhoso.

Geralda nunca mais se envergonhou de sua dificuldade. Pelo contrário, passou a usar os métodos simples e práticos de Anselmo em suas aulas, encantando os alunos e tornando-se ainda mais respeitada.

Já Seu Anselmo, agora com as letras como suas novas companheiras, começou a etiquetar suas latas com mensagens motivacionais. "Cada latinha conta", dizia um rótulo. "A soma do esforço é o sucesso", dizia outro.

E assim, a cidade de Curralinho Alegre aprendeu que o saber pode vir de qualquer lugar, até mesmo de um carrinho de latinhas empurrado por um mestre da matemática improvisado.