Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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Silêncio da madrugada
A sirene cortou o silêncio da madrugada como um aviso tardio. Luzes azuis e vermelhas refletiam nas poças da última chuva, tingindo o asfalto de um brilho fantasmagórico. Ao centro da cena, um corpo imóvel desenhava o fim de uma história interrompida sem explicação. A fita amarela tremulava sob a brisa fria, como se tivesse vergonha de cercar mais um pedaço de injustiça.

O nome dele corria pela boca dos curiosos, pelo choro engasgado da mãe que, ajoelhada, se desfazia em dor. O medo rastejava entre os becos, silenciando testemunhas que sabiam, mas não ousavam falar. A cidade, tão barulhenta durante o dia, agora cochichava o destino de mais um filho perdido para a desigualdade.

O crime? Não ser igual. Não ter o tom certo de pele. Não pertencer ao lado protegido da cidade. A bala veio sem aviso, disparada por mãos que nunca hesitam quando o alvo veste a pele errada. Não houve perguntas, não houve explicações. Apenas um estampido no ar, um grito sufocado, um corpo ao chão.

O sol, indiferente a tudo, nasceu como sempre. Mas naquele dia, sua luz não aqueceu. Apenas revelou o vazio, a calçada lavada às pressas para esconder o sangue, as manchetes frias e previsíveis: "Mais um jovem morre em confronto." Não houve confronto. Só houve um sonho interrompido e uma injustiça que se repetiria, enquanto o silêncio continuasse sendo a única resposta do mundo.

Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 01/02/2025
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