Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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A Última Palavra de Victor
O relógio marcava três da tarde quando Dona Ana, com o avental manchado de molho, atendeu ao último pedido da mesa seis. O restaurante estava cheio, o cheiro de comida quente misturava-se ao barulho dos pratos e das vozes animadas. Do outro lado da cidade, seu filho Victor, 14 anos, ria despreocupado com as amigas à beira do lago.

O dia estava quente, daqueles em que a sombra das árvores não basta. As meninas avistaram mangas maduras do outro lado do lago. Eram poucas braçadas até lá. Ou, pelo menos, foi o que pensaram. Uma a uma, elas se lançaram na água, rindo e desafiando umas às outras. Mas a correnteza era traiçoeira.

Victor, sentado à margem, viu quando uma delas se debateu, sem forças para seguir. Sem pensar, pulou. Agarrou-a pelos braços e, com esforço, empurrou-a de volta para a superfície. Depois, voltou para salvar a outra, já engolida pela água até o queixo. Puxou-a com tudo que tinha. Mas quando tentou sair, não conseguiu. O corpo pesava, as pernas não respondiam.

No restaurante, Dona Ana limpava a testa com o dorso da mão, ignorando o incômodo do suor. O dia estava corrido. O dia de Victor estava acabando.

As amigas gritavam por ajuda, mas o lago era fundo, silencioso. Victor ainda teve fôlego para um último grito:

— Eu não quero morrer aqui!

E então, o silêncio. A água se fechou sobre ele.

Mais tarde, muito mais tarde, quando o telefone tocou e a notícia foi dada, Dona Ana deixou o prato cair no chão. O som do vidro quebrado pareceu ecoar dentro dela. Saiu correndo sem entender para onde ia. Mas no fundo, já sabia.

Dias depois, sentou-se à margem do lago onde seu filho dera seu último suspiro. Olhou para a água escura, esperando um sinal, qualquer coisa. Mas não havia nada. Só o vento, as árvores, e um silêncio que nunca mais a abandonaria.

E, no coração de uma mãe que perdeu tudo, o eco de um grito que nunca mais foi ouvido.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 01/02/2025
Alterado em 01/02/2025
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