Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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Quando Fechar o Escritório
Naquela noite, o silêncio do prédio era cortado apenas pelo eco dos passos no corredor. Eduardo fechava o escritório como fazia há mais de vinte anos, conferindo trancas e desligando as luzes. Do outro lado da cidade, um encontro clandestino acontecia, pulsando com um amor proibido.

Stella era uma mulher de beleza tímida e um magnetismo inegável. Era casada com Miguel, um homem estoico e reservado. Mas o coração dela também pertencia a Renato, o melhor amigo do marido. A relação entre os três era um emaranhado de afetos, cumplicidades e traições veladas.

Renato sempre esperava Stella ao lado do parque, onde os árvores se curvavam como cúmplices. Miguel, alheio à verdade, depositava toda sua confiança no amigo. Naquela noite, porém, o destino arranjou os fatos de modo cruel.

Eduardo chegou em casa e encontrou o telefone tocando. A voz do outro lado era de um detetive:
— Sr. Eduardo, lamentamos informar, mas houve um homicídio. Precisamos que venha identificar o corpo.

Sem entender o motivo, ele se dirigiu à delegacia. Eduardo havia perdido um filho na vida muito cedo, em circunstâncias que nunca o deixaram completamente. Naquela noite, o passado parecia querer puxá-lo de volta para o abismo.

Ao chegar ao necrotério, a duração do trajeto o fez imaginar toda sorte de cenários. Quando levantaram o lençol, Eduardo sentiu o chão desaparecer. Era Miguel, seu filho que ele nunca reconhecera como tal.

Miguel nascera de um breve romance que Eduardo tivera na juventude. A mãe do menino optara pelo silêncio, e Eduardo nunca soubera da verdade até que fosse tarde demais. Ao descobrir, Miguel já era um homem formado, e a relação deles nunca superou a barreira de anos de distância emocional.

O detetive relatou que Miguel fora encontrado em uma viela, com sinais de luta. Mas Eduardo percebeu outro detalhe nos documentos: um anel em seu dedo, o mesmo que ele sabia ser o símbolo de fidelidade entre Miguel e Stella. Ele também notou que Renato, agora chamado para prestar depoimento, tinha o olhar carregado de algo mais do que simples tristeza. Entrelinhas, Eduardo começava a montar o quebra-cabeça.

As investigações revelaram a trama: Renato e Miguel discutiram naquela noite. Stella, dividida entre os dois homens, tornou-se o estopim. Palavras se transformaram em socos, e a violência culminou no ato fatal. Renato não fugiu; apenas esperou, em choque, até que a polícia chegasse.

Eduardo nunca imaginou que a morte o levaria a conhecer seu filho — e também a perder o pouco que restava. Sentado em frente ao caixão, observou o rosto sereno de Miguel, agora livre do caos que o cercava em vida. E enquanto o escritório permanecia fechado naquela manhã, Eduardo compreendeu que certos amores — e tragédias — só se revelam na sombra da perda.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 03/02/2025
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