Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
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O Vendedor de Bíblias
Ele aparece toda terça-feira, por volta das dez da manhã. Usa um paletó que já viu dias melhores e carrega, debaixo do braço, um embrulho de pano cuidadosamente dobrado — onde esconde o seu tesouro: bíblias.

Sim, bíblias. Pequenas, médias, com capa dura ou flexível, letras grandes para os de vista fraca, versões com comentários, mapas, fitinhas coloridas. Vende todas, sempre com a mesma frase de abertura:

— Bom dia! Trouxe palavras que não vencem nunca. Quer ouvir?

Seu nome é Anacleto, mas todos chamam de “o moço das Bíblias”. Nunca pediu nada além de atenção. E mesmo que não compre, ele deixa uma bênção na porta.

Muitos o acham estranho, outros acham bonito. Há quem compre só pra agradar. Há quem diga que ele exagera, que a fé não se vende. Mas Anacleto não vende fé — vende livros. A fé, diz ele, é o que vem depois da leitura.

Certa vez, uma senhora o parou:

— Já tenho três Bíblias, seu Anacleto. Vai querer me vender a quarta?

Ele sorriu:

— Dona Maria, uma Bíblia nunca é demais. Uma é pra sala, outra é pro coração. E a terceira… talvez um dia seja presente pra alguém.

A mulher comprou mais uma. No Natal, deu de presente ao neto, que antes só lia videogame. Hoje, lê Salmos com o mesmo brilho nos olhos.

Anacleto não tem pressa. Não discute com ninguém. E parece que sabe coisas que a maioria esqueceu: que a fé, quando entra mansinha, é que faz morada. E que livro também é semente. A gente não sabe onde cai, mas às vezes floresce.

Ele já vendeu Bíblias em porta de hospital, em beira de estrada, em praça de cidade grande. Já foi enxotado por síndicos e abraçado por mendigos. Diz que as reações são parte do ofício. “Nem Jesus agradou todo mundo”, costuma dizer.

O que ninguém sabe é onde ele mora. Alguns dizem que vive num quartinho simples perto da estação. Outros juram que é andarilho, desses com mais estrada nos pés do que teto sobre a cabeça. O que se sabe é que sempre volta. Sempre com o mesmo sorriso e a mesma pergunta:

— Bom dia. Posso te oferecer um pouco de esperança?

E mesmo que a resposta seja não, ele agradece como se fosse sim. Deixa no ar um rastro de paz. E segue adiante, vendendo páginas de luz num mundo que anda meio escuro.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 06/05/2025
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