Duas Mães
Na beira de um banco de praça, duas mulheres sentaram-se em silêncio, o vento balançando as folhas secas de um outono tardio. Não se conheciam antes. Não tinham razões para se ver. Até aquele dia.
Dona Lourdes era a primeira a chegar. Os olhos fundos, os cabelos presos com pressa, as mãos trêmulas que seguravam um envelope já amassado. Dentro dele, recortes de jornal, fotos antigas e uma carta. A carta do filho.
A outra, Dona Tereza, caminhava com um passo firme, embora o coração parecesse arrastado por dentro. Carregava uma rosa branca e o retrato da filha, estampado em preto e branco num pequeno porta-retrato de bolso. A menina sorria, congelada no tempo.
Elas se encararam. Nenhuma disse o nome do filho, nem o nome da filha. Sabiam. O mundo sabia. Um era o algoz, o outro, a vítima. Mas ali, na praça, eram só duas mães.
Dona Lourdes tentou sorrir, como quem pede perdão com o rosto. Dona Tereza baixou os olhos.
— Não vim pedir nada — disse Lourdes, quase num sussurro. — Só precisava olhar nos seus olhos. Ver que você existe. Que ela existiu. Que meu filho destruiu muito mais que uma vida.
Tereza apertou a rosa branca entre os dedos.
— Meu marido me disse para não vir. Que seria se humilhar. Que não haveria consolo. Mas eu... eu precisava ver a dor nos olhos de quem o criou.
O silêncio caiu de novo, pesado. Nenhuma lágrima escorria. Já tinham chorado demais, por dias, meses, anos.
— Eu não sou inocente — continuou Lourdes. — Dei tudo o que pude. Mas talvez tenha dado demais. Ou errado. Ou faltado no que era mais importante.
Tereza olhou para o retrato da filha. Depois, encarou a mulher à sua frente. Enxergou ali uma mãe despedaçada, não uma inimiga.
— Ele tirou minha filha do mundo — disse Tereza. — Mas tirou você também.
Lourdes assentiu, com um fio de voz:
— Eu enterrei meu filho em vida. E carrego essa cruz todos os dias.
Então, algo raro aconteceu. Tereza estendeu a rosa para Lourdes. Ela hesitou, depois aceitou.
— Não é perdão — explicou Tereza. — É só um gesto. De uma mãe para outra. Porque, no fim das contas, nós duas perdemos.
A rosa balançou no vento. Nenhuma delas sorriu. Mas por um breve instante, não foram só mãe do assassino e mãe da vítima. Foram duas mães tentando sobreviver ao que restou.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 06/05/2025