Confissões ao vento
O mais bonito retrato é o da própria natureza, pois, Deus com humildade fez sem tintas a sua beleza.
Capa Textos E-books Fotos Perfil Contato
Textos
O Pai Que Orava Todas as Noites
Na pequena casa da Rua do Cedro, onde as paredes sabiam de cor o som dos passos e o cheiro do café fresco pela manhã, morava seu Afonso, um homem simples, de mãos calejadas e fé firme. Trabalhava na roça desde os doze anos, mas era à noite que ele se transformava em gigante: ajoelhava-se ao lado da cama, juntava as mãos e rezava.

Todas as noites, sem falhar, fazia sua prece:

— Deus, cuida do meu menino.

Seu filho, André, tinha deixado a cidadezinha cinco anos antes, em busca de futuro. Levava no peito a inquietação dos que querem o mundo, e nos olhos a coragem de quem nasceu para ir além da cerca do quintal. Foi para a capital estudar, trabalhar, viver. Mas deixou um vazio na casa e um buraco do tamanho do seu nome no coração do velho pai.

O tempo passou. Cartas raras, depois mensagens no celular — quando o sinal deixava. Às vezes, silêncio. Mas Afonso nunca parou de orar.

Mesmo nos dias em que a chuva ameaçava levar a plantação, mesmo quando a dor no joelho o fazia cambalear, ele ajoelhava.

— Deus, protege meu menino. Onde ele estiver, guia os passos dele.

Era uma oração sem luxo, sem palavras difíceis, mas com uma força que nenhum teólogo saberia explicar. Vinha do fundo do amor, daquele tipo que não grita, não exige, só permanece.

Certa noite, depois de uma tarde de calor sufocante e lembranças demais, seu Afonso demorou a acender a luz. Ficou sentado na cadeira de balanço, olhando o retrato do filho na estante. Não disse nada. Apenas fechou os olhos e orou em silêncio.

Na manhã seguinte, a vizinha encontrou o velho dormindo eternamente na cadeira, com um leve sorriso nos lábios e a mão ainda fechada sobre o terço.

No mesmo dia, sem saber do que acontecera, André chegou. De repente, sentiu uma urgência no peito. Largou tudo e voltou. Quando entrou na casa, viu o pai coberto por um lençol branco, e sentiu um baque que rasgou sua alma.

Ao lado da cama, ainda estavam os joelhos marcados no chão. A marca da fé. A herança de um pai que nunca deixou de amar rezando.

E ali, pela primeira vez, André se ajoelhou. Não para orar pelo pai, mas para agradecer pelo amor que o guiou mesmo à distância.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 07/05/2025
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
Comentários