Travesseiro de Hospital
Havia um cheiro de éter no ar, um silêncio branco que só os corredores de hospital conseguem sustentar. No leito 17, deitada sobre um travesseiro fino demais para tanta dor, repousava uma mulher cujo corpo era mais cicatriz do que carne. Chamava-se Maria, mas nas ruas era conhecida por qualquer outro nome: louca, pedinte, invisível. Ninguém se interessava pelo que havia por trás dos olhos fundos, da fala perdida, dos passos arrastados entre uma cidade e outra. Só ela sabia o motivo de tanta caminhada.
Maria procurava um filho.
Foi arrancado dela quando ainda era bebê. Ela, menor de idade, solteira, julgada por ser mãe antes da hora — como se houvesse hora marcada para o amor que nasce sem manual. Tiraram-lhe o menino, dizendo que era para o bem de todos. Mas o peito de Maria nunca aceitou essa separação como algo natural. Desde então, passou a viver nas calçadas da vida, dormindo em bancos de praças, com o sonho de reencontrá-lo embalando suas noites frias.
Num desses caminhos, aceitou carona errada. Disse que estava indo "atrás de um filho", e o homem riu com desprezo. O mesmo que, horas depois, descarregaria sua fúria em forma de socos, palavras imundas, e por fim, jogaria Maria para fora do carro, como quem descarta uma sobra. Ela caiu com a esperança intacta, mesmo que os ossos estivessem quebrados.
Foi assim que chegou ao hospital. Um corpo anônimo, mais um número na emergência. Até que ele entrou. De jaleco, prancheta em mãos, olhos que pareciam carregar a luz de uma infância esquecida.
Ao vê-la, parou. Não foi o rosto inchado, nem o nome incompleto no prontuário. Foi algo mais profundo. Reconheceu nos olhos da paciente aquela imagem borrada que o tempo nunca conseguiu apagar: a mulher que o embalou num colo apressado, que chorou em silêncio no dia em que foram separados.
Ele disse apenas:
— Mãe?
Maria sorriu. Pela primeira vez em anos, sorriu com o rosto inteiro.
O enfermeiro que estava por perto jurou ter visto algo sobrenatural. O monitor cardíaco, antes em alarme, suavizou. O corpo quebrado se aquietou. E Maria, ali, deitada no travesseiro de hospital, finalmente descansou.
Nos seus últimos segundos, encontrou o que sempre procurou. O abraço do filho. O perdão do tempo. A dignidade que a vida lhe negou.
E naquele quarto frio, não foi a medicina que fez milagre. Foi o amor, enfim, reconhecido.
Lucileide Flausino Barbosa
Enviado por Lucileide Flausino Barbosa em 14/05/2025